Em jogo, a liberdade de pensamento e expressão, o que é proibido hoje
ao jornalista que trabalha no maior conglomerado de comunicação do país e um
dos maiores do mundo. E desafio algum colega em público a dizer que esta
afirmação não seja verdade. Derrubar quem não pensa da mesma forma que o patrão
é o modus operandi adotado.
Outro exemplo conhecido é o de Franklin Martins, mas há muitos que a
"googlesfera" e blogosfera bem conhecem. Faço das palavras do Boechat
as minhas, mas como editor destaquei da entrevista apenas os trechos que
considerei mais importantes:
NaTelinha
- Você não fez faculdade e nem terminou o segundo grau. Principalmente por
conta disso, algum dia você imaginou chegar aonde chegou?
Ricardo Boechat - Então, eu
não fiz jornalismo como um projeto pré-elaborado. Eu fiz jornalismo como
poderia ter feito outras coisas. Tanto que eu tentei formação em atividades
completamente diferentes, como ser vendedor de material de escritório, mas isso
eu estou falando de uma fase da vida em que eu tinha 16 anos.
Por volta dos 17, meu objetivo era muito específico, muito focado, que
era independência suficiente pra poder pagar minhas continhas, tomar meu chopp,
ir ao cinema com minha namorada e tal.
Essas coisas que os jovens que não tem mesada têm que conseguir por
conta própria pra poder fazer o básico ou atender às demandas da adolescência,
que apesar de serem relativamente baratas, são muitas. É isso, mas a minha
ansiedade era mesmo trabalhar, quem sabe morar sozinho mesmo.
NT - E
como o jornalismo entrou nessa história?
RB - Foi meio que por
acidente. Eu já tinha parado de estudar, estava de saco cheio da escola, estava
vendendo livros. Na verdade minha mãe e meu pai vendiam livros e eu pegava
material de propaganda de algumas coleções mais baratas, mais simples, mais geral,
e procurava pais de amigos de escola.
Então eu ia à casa deles e tentava vender uma coleção ou outra e
ganhava um trocadinho nessa atividade. Até que um dia o pai de uma amiga minha
reclamou que eu estava dedicando o meu tempo a uma atividade que não correspondia
às minhas vocações naturais, que ele enxergava, mas eu não. Eu gostava de
escrever, escrevia com relativa facilidade, e tinha algumas características que
o pai dessa minha amiga gostava muito. Ele me disse que eu precisava trabalhar
em algo que eu precisasse escrever e tal. Ele era do departamento comercial do
“Diário de Notícias” e se chamava Kleber Savoia. O Kleber disse para eu ir à
redação do jornal falar com o chefe de reportagem.
Eu já tinha feito um curso para tentar duas ou três vagas no “Jornal
do Brasil”, mas não consegui. Não só porque o JB estava a léguas de distância
da minha capacidade àquela altura, como também a própria idade não me
permitiria ficar com alguma das vagas. Enfim, ele me arrumou essa apresentação
e o chefe de reportagem do jornal disse "’fica aí então anotando essas
coisas". Fui ficando.
NT -
Você não imaginaria nunca chegar aonde chegou?
RB - Não, o máximo que me
imaginei foi ganhar uma grana para pagar as minhas coisas.
NT -
Hoje, você está na televisão, em horário nobre, também faz rádio e tem coluna
em revista. Sente-se realizado profissionalmente?
RB - Sem dúvida. Às vezes
quando eu paro pra pensar, eu acho que o destino me deu mais do que eu fiz por
merecer. Eu sempre trabalhei demais, sempre fui obcecado por trabalho, mas
tenho que reconhecer que a vida me deu bastante coisa. Não tive formação, nunca
remei a favor da corrente, tomei uma porrada no auge de minha carreira, mas
estou no mercado, ganho bem. Sou realizado sim.
NT -
Você acabou de falar de uma “porrada” que tomou da vida. Então, você saiu da
Globo de uma maneira turbulenta. Guarda mágoas das Organizações Globo?
RB - Hoje mais não... Cara,
se eu te perguntasse se você tem raiva daquele “meio-fio” que você arrebentou o
dedão do pé, você responderia o quê? Que ficou puto, na hora. Que você ficou
doído, que você sofreu durante algum tempo até que cicatrizasse.
Claro que aquilo me machucou absurdamente, me feriu, me ofendeu, me
indignou, revoltou e conseguiu alguns anos de rancor. Claro que sim. Era meu
ambiente, minha casa, meus amigos, minha vida. Tem certos momentos que eu paro
pra dizer o seguinte: se eu não tivesse passado por aquilo, o que eu estaria
fazendo hoje na Globo? Provavelmente eu estaria fazendo a coluna que eu sempre
fiz em “O Globo” e teria uma função no “Bom Dia Brasil”, talvez como colunista
ou talvez dando uma bicada num programa qualquer da Globo News.
Certamente eu não estaria fazendo rádio, certamente eu não faria o que
mais me realiza, mais me dar prazer, que é o rádio. Muito certamente, aliás,
sou absolutamente convicto que eu não teria a liberdade que eu tenho na Band.
NT -
Aceitaria voltar pra lá, caso fosse feita uma proposta?
RB - A troco de quê? A
Globo não tem culhão pra me dar a liberdade que a Band me dá. Eles não respeitam
a liberdade de ninguém, aliás, eles respeitam até certo nível de liberdade. Ou
melhor, ninguém abusa tanto de liberdade assim, tipo ‘vamos ver até aonde vai
mesmo?’. Por isso que eu dificilmente toleraria isso. Seria uma “encheção” de
saco tremenda. Dificilmente eu faria o que faço, lá, e ganharia o que ganho
aqui.
NT -
Você já sofreu ameaças por conta do jornalismo?
RB - Veja só, o que é
ameaça pra você? Porrada, tiro, faca, coça? Eu nunca levei. Processos já
aconteceram sim, hoje (ontem) mesmo levei três. Processos tenho dezenas, talvez
mais de uma centena ao longo da carreira. Mas isso eu não vejo como ameaça.
Agora é importante dizer o seguinte. O “Jornal do Brasil” e o Grupo
Bandeirantes sempre se responsabilizaram pela defesa e por todas as consequências
resultantes do exercício da liberdade na profissão. Tenho que citar também o
jornal "O Globo", pois a casa dos Marinho, nesse aspecto (e em
outros, diga-se), sempre foi impecável, comigo e com outros jornalistas na
mesma situação.
NT - O
que você acha do atual jornalismo praticado pelas emissoras de rádio e
televisão atualmente no Brasil?
RB - Acho melhor do que de
outrora. Estamos enfrentando uma concorrência mais numerosa, mais ampla, mais
pulverizada, as pessoas estão cada vez mais se tornando jornalistas...
NT -
Tem mais fontes de informação...
RB - Eu acho que elas
próprias mais testemunham do que veem notícia. Eu tenho repetido o seguinte: o
que caracteriza o jornalista predominantemente na história? Ele era apropriador
da notícia testemunhada por terceiros, ou seja, um apurador de relatos.
O Repórter Esso tinha um bordão muito legal, que era “o seu Repórter
Esso, testemunha ocular da história”. Na verdade o Repórter Esso nunca foi
testemunha de coisa nenhuma, ele estava lá na redação. É curioso isso.
Repórteres e jornalistas não são testemunhas oculares.
Com exceção dos correspondentes de guerras, que evidentemente estão lá
testemunhando coisas no primeiro plano. Mas, normalmente o que somos nós no
nosso cotidiano? Nós vamos atrás das testemunhas, dos fatos. Daqueles que
viveram o fato em primeira pessoa. O jornalista não está dentro do avião que
caiu ou do tsunami que passou por ali. Ele vai de encontro às pessoas pra
capturar informações, levá-las para as redações, e, com pesquisas, coloca tudo
no ar.
NT -
Então é falsa a marca de que o jornalista é testemunha ocular da história...
RB - Completamente falsa.
Nós não somos testemunhas oculares de coisa nenhuma. O que está acontecendo é
que as testemunhas que alimentavam os jornalistas estão elas próprias
trabalhando com os novos meios de comunicação, com ajuda de celulares que têm
internet, máquinas filmadoras etc.
Então essa figura de jornalista que fica na redação esperando que a
testemunha ocular da história entregue o ouro para que ele apareça na televisão
engravatado e parecendo um gênio da informação, está condenada. E é ótimo que
esteja.
NT -
Por quê?
RB - Porque isso significa
que 7 bilhões de pessoas serão jornalistas e trabalharão com a informação
primária, difundirão a informação. Tem riscos? Muitos. Mas é melhor ter 7
bilhões de pessoas com informações do que 7 ou 70 tentando manipular 7 bilhões
de pessoas.
Então o jornalismo hoje em dia percebe essa concorrência, apesar de
esse não ser o nome correto, por não ter esse propósito, mas ele percebe essa
avassaladora presença da informação circulando nas mãos de todo mundo. Isso
obriga o jornalista a criar os seus diferenciais, impor-se pela qualidade, pela
coerência e seriedade.
Fonte: blog DoLaDoDeLá - http://maureliomello.blogspot.com.br