segunda-feira, 23 de abril de 2012

O ativismo keynesiano no Brasil

Não há dúvida de que a adoção da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (2004), da Política de Desenvolvimento Produtivo (2009) e do Plano Brasil Maior (2011) marcou a tentativa de resgate da política industrial no Brasil, depois de mais de uma década de difusão da ideia de que reformas econômicas liberalizantes per se seriam condição suficiente para restabelecer o desenvolvimento econômico brasileiro.

 Apesar de repetida à exaustão a ideia da inexistência de argumentos para a defesa de políticas industriais setoriais na década de 1990, a verdade é que há uma abundante literatura teórica e empírica defendendo a tese contrária.

O economista Dani Rodrik, de Harvard, procurou dar cabo à controvérsia utilizando a expressão "política industrial, não me perguntem por que, mas como", que pode ser interpretada em dois sentidos: primeiro, não basta apenas justificar a necessidade, mas é preciso contar com um diagnóstico preciso dos gargalos e setores prioritários, além de uma eficiente execução e acompanhamento dos resultados; segundo, a política industrial deve ser adotada nas instâncias micro, meso e macroeconômicas, que se encarregam de sua coordenação com as políticas tecnológica, de comércio exterior, monetária, fiscal e cambial.

Estudos apontam que valor do dólar adequado ao desenvolvimento deveria estar entre R$ 2,40 e R$ 2,90 Ainda que o atual governo venha fazendo um enorme esforço, por enquanto sem sucesso, para consolidar tal coordenação, desde 2004 o real tem mostrado tendência persistente de excessiva sobrevalorização.

Embora a política monetária ultraexpansionista praticada nos países desenvolvidos em resposta à crise de 2008-2009 tenha agravado o problema do desalinhamento cambial no Brasil, convertendo a enorme liquidez internacional pré-crise no atual "tsunami monetário", o fato é que a questão cambial não é apenas um problema externo, mas principalmente doméstico.

Da mesma forma que os países ricos têm adotado medidas radicais para defender o crescimento e o emprego, nós também deveríamos encontrar meios igualmente radicais, se necessário, para deter o processo de semiestagnação que nos acompanha desde o início da década de 1980.

Dependendo dos conceitos utilizados para definir a taxa de câmbio real mais adequada para o desenvolvimento, os estudos empíricos apontam que o dólar deveria estar entre R$ 2,40 e R$ 2,90.

Tamanho nível de desalinhamento cambial evidencia que os incentivos governamentais divulgados no início de abril, cujos impactos podem conceder apenas algum alívio temporário à indústria, não serão capazes de deter o processo em curso de desindustrialização no Brasil e muito menos assegurar taxas de crescimento significativamente superiores e sustentáveis no curto ou no longo prazo.

Com efeito, os empresários sempre considerarão elevados os custos de oportunidade para ampliar os investimentos se observarem que as taxas de juros reais continuam muito superiores às internacionais e a moeda doméstica com tendência persistente à sobrevalorização.

 Embora o problema cambial não seja recente, o Brasil tem sido fortemente afetado pelas expectativas negativas do cenário internacional adverso, que refreia a demanda privada por novos projetos, situação agravada pela avalanche de capitais externos de curto prazo que reafirmam a tendência à sobrevalorização.

Os incentivos governamentais adotados no início do mês, por focarem basicamente o lado da oferta, só seriam efetivos para acelerar o crescimento se o contexto macroeconômico corrente fosse favorável à demanda privada orientada para projetos de investimento, de inovações e de exportações.

Mas como o problema é de expectativas negativas e de fraca coordenação entre as políticas monetária, fiscal e cambial, a agenda prioritária deveria estar localizada na esfera da política macroeconômica, e não da política industrial. O Banco Central (BC) tem procurado melhorar a coordenação com a Fazenda no sentido de reduzir as taxas de juros e reverter a convenção dos agentes com respeito às expectativas futuras das taxas de juros.

A equipe econômica, por sua vez, tem tentado impor medidas ad hoc e homeopáticas de controle de capitais, mesmo sabendo que estas só podem impor um piso para a moeda brasileira apreciada, mas não são capazes de restaurar um nível de taxa de câmbio real pró-crescimento.

 Embora autoridades do governo relembrem que possuem um arsenal bélico à disposição para deter o "tsunami monetário", é preciso sangue frio e coragem para dispará-lo. Afinal, dado o contexto de expectativas negativas e com um déficit em conta corrente projetado para cerca de US$ 69 bilhões em 2012 (em torno de 3% do PIB), dificilmente teremos uma saída organizada para o realinhamento cambial, com ou sem nova crise global.

Então, a agenda da política macroeconômica deveria priorizar dois alvos: primeiro, o fiscal, no sentido de reduzir temporariamente as metas de superávit primário, direcionando maior parcela do orçamento público para investimentos em infraestrutura (além dos já previstos para a Copa do Mundo e Olimpíada).

Ainda que estes não tenham a pretensão de compensar a baixa taxa de investimento privado, poderiam induzir à decisão de investimento dos empresários por meio do efeito multiplicador de renda keynesiano e pela melhoria do estado de confiança futura, que impulsiona o animal spirits empresarial; e, segundo, o cambial.

Neste caso, o arsenal bélico deve ser corajosamente ativado: adoção de "quarentena" de um ano a todo novo influxo de capital, seja de curto, médio ou longo prazo. Muitos poderiam afirmar que essa medida acarretaria forte depreciação da moeda brasileira e inflação.

No entanto, enquanto a depreciação do real seria a solução definitiva para realinhar os preços relativos em direção ao crescimento e ao aumento das exportações e aí, sim, tornar efetivas as medidas de política industrial já adotadas, não há qualquer razão teórica ou empírica para esperar que o efeito inflacionário decorrente seja permanente, desde que mantida a atuação do Banco Central no sentido de inverter a antiga convenção das expectativas inflacionárias.

Se isso implicará a mudança ou mesmo a eliminação do regime de metas de inflação, as autoridades econômicas melhor dirão.

 Por André Nassif - professor de economia internacional da Universidade Federal Fluminense e economista do BNDES no Fonte: Valor Econômico e blog do Nassif