segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

As doações de Washington a Pinochet - Riggs, máquina de lavar dinheiro para ditadores

Enquanto estava no poder entre 1973 e 1990, o ditador chileno Augusto Pinochet conseguiu fazer um belo pé de meia. Isso antes que investigadores norte-americanos, chilenos e espanhóis revelassem o caso; a amplitude das descobertas foi surpreendente.

No dia 16 de março de 2005, dois senadores norte-americanos, o democrata Carl Levin e o republicano Norm Coleman, apresentaram os resultados de sua investigação sobre a lavagem de dinheiro. Eles descobriram uma verdadeira “rede financeira secreta” composta de não menos do que 125 contas bancárias em diversos estabelecimentos dentro e fora dos Estados Unidos, em favor do ex-presidente chileno e de membros de sua família.

Um único banco, o Riggs Bank, tinha gerenciado quase um quarto das contas de Pinochet. Apesar de seu tamanho médio, o estabelecimento financeiro “preferido das embaixadas” de Washington vangloriava-se por ser “o banco mais importante da cidade mais importante do mundo”.

Graças às suas competências e à dedicação dessa prestigiosa instituição, um sistema financeiro complexo e ilegal havia sido construído em favor do ex-caudilho, com a cumplicidade de bancos de diversas nacionalidades: os norte-americanos Citigroup e Bank of America, o britânico HSBC, o Banco de Chile, o espanhol Santander. Em suas conclusões, o documento do Senado de 2005 não exclui a existência de outras contas.

Apesar de os investigadores não terem conseguido calcular a soma exata acumulada, a estimativa é de cerca de US$ 13 milhões. Levin explicava na época que “novas informações demonstram que a rede financeira de Pinochet nos Estados Unidos era muito mais desenvolvida, tinha durado mais tempo e implicava mais estabelecimentos bancários do que tínhamos descoberto antes”.

O relatório anterior do Senado norte-americano, concluído em julho de 2004, mencionava apenas somas de US$ 4 milhões e 8 milhões depositadas, entre 1994 e 2002, em nove contas do
Riggs. Deduzia-se de maneira clara que as diversas rendas de Pinochet – a de general, de presidente da República ou ainda de senador vitalício – não eram suficientes para justificar depósitos dessa ordem de grandeza. Ora, como afirmava Levin naquela época, o banco “não avisou nem a polícia nem a justiça da existência desses depósitos”, apesar de a lei nos Estados Unidos obrigá-lo a isso. Muito mais do que uma simples omissão, a implicação ativa do Riggs na gestão fraudulenta desses fundos duvidosos era, de fato, espantosa.

Passando por diferentes controles, o banco tinha se recusado a revelar a identidade do titular, afirmando que se tratava de um “profissional aposentado com sucesso”. No entanto, entre outubro de 1998 e março de 2000, o ex-ditador foi detido em Londres a pedido da justiça espanhola, que o indiciava por “genocídio, torturas e desaparecimentos”, e apesar de, segundo o relatório do Senado norte-americano, “uma corte ter dado a ordem de congelar suas contas bancárias, o Riggs tinha tranquilamente ajudado a transferir os fundos de Londres para os Estados Unidos”.

A transferência, efetuada em 1999, envolvia uma soma de US$ 1,6 milhão. Quando a imprensa britânica publicou a fortuna de Pinochet, o banco modificou o nome do titular, bem como o de sua mulher, com o objetivo de confundir as pistas.


Executivos laranjas

A primeira investigação do Senado conseguiu, no entanto, divulgar a existência de duas empresas fictícias, a Ashburton Co. Ltd e a Ashburton Trusty Althorp Investment Co. Ltd, montadas do começo ao fim pelo Riggs em favor do general. Altos funcionários do estabelecimento bancário tinham polidamente se oferecido para emprestar seus nomes. As duas empresas não possuíam escritórios nem empregados. No entanto, esses laranjas eram titulares de contas nas Bahamas, bem conhecidas pelos apreciadores de paraísos fiscais.

A segunda investigação trouxe informações mais precisas sobre a rede financeira. Nessa época, é verdade que o Riggs tinha se mostrado mais cooperativo. Mas, cercado por diversas investigações – do Senado, do Tesouro norte-americano e, enfim, da Securities and Exchange Commission (SEC), a “polícia” da Bolsa norte-americana –, que outra escolha teria o banco? E a cooperação não foi sem limites. O estabelecimento continuou fechando certas contas sem notificar as autoridades sobre a natureza fraudulenta dos capitais envolvidos. Tanto que os agentes norte-americanos fracassaram na tentativa de reconstituir as movimentações, como lamentou Levin em 16 de março de 2005.

A equipe do Senado conseguiu, no entanto, provar que Pinochet teve acesso a não menos que dez identidades falsas, assim como a passaportes diplomáticos falsificados para a abertura de contas. Por meio de correspondência apreendida, a comissão da Casa revelou amostras do grau de intimidade instaurado entre o ex-ditador e os mais altos funcionários do banco, entre os quais o diretor-geral, Joe L. Allbritton.

Vendo o cerco judiciário se apertar contra sua instituição, os banqueiros preferiram um acordo amigável com a justiça a um processo escandaloso que teria arruinado a reputação de uma instituição que se orgulhava de ter, em 169 anos de existência, “as contas de vários presidentes norte-americanos”. Quando, em janeiro de 2005, o procurador federal do distrito de Colúmbia, Kenneth Wainstein, anunciou o acordo, ele se mostrou tão severo quanto o senador Carl Levin: “Apesar das múltiplas advertências dos controladores, o Riggs manteve negócios com clientes que tinham alta probabilidade de estar envolvidos em atividades de lavagem de dinheiro e os ajudou a proteger suas operações financeiras de todo exame aprofundado.

Esse comportamento prolongado e sistemático não advinha de uma simples negligência cega; era mais da ordem de uma violação criminal das leis bancárias que protegem nosso sistema financeiro de sua exploração por terroristas, narcotraficantes e outros criminosos”. Os dirigentes do Riggs aceitaram declarar-se culpados, submeter seu estabelecimento a um período probatório de cinco anos e pagar uma multa de US$ 16 milhões.

A conta pode parecer salgada, mas o banco se saiu muito bem do caso. Em primeiro lugar, só admitiu sua culpa para uma das acusações: a de não ter informado as autoridades nos prazos previstos pela lei da origem duvidosa de alguns fundos que alimentavam suas contas. Isso permitiu que a instituição aparecesse como culpada de uma simples negligência, permitindo salvar sua reputação, quando na verdade ela foi um ator principal nas infames atividades financeiras de alguns de seus clientes.

Além disso, o banco foi dispensado do período probatório de cinco anos. Uma cláusula do acordo dispunha que, em caso de aquisição do banco, a medida seria revogada. Ora, o Riggs foi comprado pelo banco PNC Financial Services, venda negociada em julho de 2004 e efetivada em 13 de maio de 2005. Quanto à multa de US$ 16 milhões, seria necessário ressaltar que foi com dinheiro sujo que o banco “se lavou”? Onde já se viu um ladrão comprar uma nova virgindade penal com o produto de seus roubos?

O general Pinochet, por sua vez, esperava dispor do dinheiro depositado no Riggs para acertar os US$ 5 milhões de impostos atrasados e multas não pagas. Mas, apesar das ações realizadas por seu advogado contra o Tesouro chileno, as autoridades se recusaram a suspender o congelamento de sua fortuna, uma decisão tomada em novembro de 2004 pelo juiz Sergio Muñoz.

Três semanas somente após o acordo amigável com a justiça norte-americana, soube-se que o Riggs tinha aceitado uma transação com as autoridades judiciárias espanholas: o banco pagou US$ 9 milhões, reconhecendo ter transferido US$ 1,6 milhão de modo ilegal, quando a fortuna financeira do ex-ditador tinha sido congelada.

Em contrapartida, Madri se comprometeu a pôr um fim no processo judiciário contra o banco e seus dirigentes. As indenizações foram depositadas em uma conta administrada pela Fundação Salvador Allende, a mesma que, pelas denúncias de genocídio, tinha conseguido a detenção do general Pinochet, por ocasião de uma visita particular em Londres. Um milhão de dólares deveria servir para cobrir os custos judiciários; US$ 8 milhões eram destinados às vítimas da ditadura chilena.

No mesmo dia em que a transação com a justiça espanhola tornou-se pública, uma indiscrição revelou que uma dúzia de executivos de alto escalão do banco tinha obtido mais de US$ 15 milhões em “paraquedas de ouro” (indenizações em caso de rescisão de contrato) − uma quantia muito superior às indenizações negociadas pelas dezenas de milhares de vítimas chilenas.



O tirano da Guiné Equatorial

Pinochet não é o único ditador a ter se beneficiado das competências do Riggs. Teodoro Obiang Nguema, o ditador que dirige a Guiné Equatorial com mão de ferro, depositou na instituição uma quantia de até US$ 700 milhões, o que faz desse déspota africano o maior cliente do banco. Desde a independência, em 1968, a Guiné Equatorial vive no terror. Primeiro sob o comando de Macías Nguema, depois sob o governo de seu sobrinho, Obiang Nguema, que, em 1979, apoiando uma revolução palaciana, derrubou o tio do poder, fazendo-o passar pelas armas.

O novo mestre tomou posse de um país que, no final dos anos 1970, era um dos mais pobres do mundo. Ele fez desse pequeno Estado, hoje povoado por um pouco mais de 500 mil pessoas, sua propriedade particular.

Segundo o jornalista Peter Maass, a Guiné Equatorial “parece às vezes com uma caricatura de cleptocracia petroleira”. Enquanto as rendas do ouro negro aumentavam de maneira exponencial (US$ 3 milhões em 1993, US$ 210 milhões em 2000, US$ 700 milhões em 2003),9 65% da população vivia com menos de US$ 2 por dia. Como o resto da produção, a renda petroleira foi maciçamente desviada pelo tirano e sua família, com a cumplicidade ativa de empresas norte-americanas, entre as quais o Riggs Bank, até sua compra pelo PNC Financial Services.

Em 1995, o Riggs abria uma conta para a embaixada da Guiné Equatorial em Washington, a primeira de uma longa série. O relatório do Senado norte-americano revelou que, entre 1995 e 2004, o estabelecimento gerenciou “mais de sessenta contas bancárias para o governo da Guiné Equatorial, seus membros e famílias, [...] fechando os olhos para os indícios que mostravam uma ligação com atividades de corrupção”.

Os US$ 13 milhões de Pinochet ficam parecendo brincadeira de criança quando comparados aos US$ 700 milhões de Nguema. E com razão: na Guiné Equatorial, a renda nacional é confundida com as finanças pessoais do ditador. Uma empresa estrangeira não pode se estabelecer lá sem abrir seu capital a parceiros locais, obrigatoriamente ligados ao clã governamental. O que era uma prática comum virou oficial em 2004, por um decreto presidencial, que, no setor petroleiro, impõe uma abertura de capital em 35%.

Em relação à renda petroleira, as empresas norte-americanas – que dispõem do monopólio da produção do país em questão – depositavam diretamente suas rendas nas contas do Riggs em Washington. E, qualquer que fosse a conta oficial aberta em nome do Estado da Guiné Equatorial, as assinaturas eram as do presidente ou de um membro de sua família. A investigação do Senado conseguiu identificar alguns desses movimentos de capitais. Trechos de um breviário da corrupção: “Mais de US$ 35 milhões foram transferidos para empresas petrolíferas, por meio de empresas estabelecidas em paraísos fiscais, a partir de uma conta detida pelo presidente Obiang, seu filho, o ministro das Minas, e seu sobrinho, secretário de Estado no Tesouro.

[O Riggs] autorizou entre 2000 e 2002 depósitos em dinheiro de uma quantia total de cerca de US$ 13 milhões em contas controladas pelo presidente e sua esposa”. O banco concedeu ao casal presidencial “empréstimos para a compra de um avião e de residências de luxo, localizadas sobretudo nos Estados Unidos”.

Durante a apresentação do relatório de julho de 2004, o senador Levin ressaltou o “corpo mole” dos estabelecimentos na hora de cooperar. Ele explicou que um dos responsáveis, durante depoimento, tinha se recusado a responder às questões. Simon Kareri, encarregado das contas guinéu-equatorianas no banco Riggs, teria, no entanto, muita coisa para contar. Segundo o relatório, em pelo menos duas ocasiões, esse alto funcionário teria recebido, na embaixada em Washington, malas “contendo US$ 3 milhões em dinheiro a fim de fazer um depósito nas contas do presidente guinéu-equatoriano”.

Ironia da história, o Riggs teve de romper com o ditador no mesmo momento em que ele era cortejado como nunca pelos chanceleres ocidentais. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos decidiram reduzir a dependência do petróleo do Oriente Médio e aumentar as importações provenientes da África ocidental. De certo modo, Pinochet e Nguema foram “vítimas colaterais” dos ataques de 11 de setembro. Seus fundos prosperavam em silêncio, quando a comissão de questões governamentais do Senado decidiu investigar o financiamento das organizações terroristas.

A Arábia Saudita se viu no banco dos réus, por meio de organizações de caridade e de personalidades como a princesa Haifa al-Faisal, esposa do príncipe Bandar, ex-embaixador saudita nos Estados Unidos. As buscas conduziram naturalmente ao banco dos diplomatas. Foi durante as investigações das 150 contas sauditas do Riggs que os investigadores descobriram movimentos de capitais de origem fraudulenta envolvendo outros clientes. No dia 14 de maio de 2004, as autoridades norte-americanas condenaram a respeitável instituição a pagar uma multa de US$ 25 milhões por ter infringido a lei, de modo “deliberado e sistemático”, como afirmaram os controladores federais.

Os relatórios oficiais só descobriram a ponta do iceberg. Investigações similares poderiam ser realizadas em relação a contas de outros presidentes. E, por que não, àquelas dos ex-diretores do banco...

por Alain Astaud - Jornalista e Ilustração: Dálcio