sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Mortes em massa e desastre humanitário no cerco da OTAN a Sirte na Líbia


Refugiados da cidade costeira líbia de Sirte relatam que milhares morreram como resultado do bombardeio incessante da OTAN e dos ataques dos "rebeldes" apoiados pelo Ocidente.

O cerco de Sirte, que já dura duas semanas, deixou a cidade sem alimentos suficientes, água potável, remédios e outras necessidades básicas, criando condições infernais para sua população de 100.000 habitantes.



Embora o Conselho Nacional de Transição (CNT), baseado em Benghazi, tenha repetidamente, dado declarações de que os assim chamados rebeldes avançaram em direção ao centro da cidade sob cobertura aérea da OTAN, eles foram, repetidamente, forçados a recuar sob fogo pesado das forças leais ao Coronel Muammar Gaddafi, bem como o que tem sido descrito como voluntários civis.

Frustradas, as milícias anti-Gaddafi bombardearam a cidade costeira com rodadas de artilharia, tiros de tanques e foguetes Grad, provocando terrível destruição.

Milhares de refugiados que têm tentado escapar da cidade, são forçados a passar por barreiras impostas pelas forças apoiadas pela OTAN, onde muitos são tomados como prisioneiros, acusados de serem apoiadores de Gaddafi.

O Wall Street Journal fez uma reportagem sobre um dessas barreiras, descrevendo filas de carros e caminhões, cheios de civis e carregados de colchões e outros pertences:

"À medida que os refugiados chegavam, os combatentes de Misrata verificavam os seus nomes em listas de suspeitos de apoio a Gaddafi. Alguns homens eram presos, enquanto que diziam a outros que esperassem no lado da estrada com suas famílias.

"'Vamos punir até mesmo aqueles que apoiaram Muammar somente com palavras,' disse um combatente barbudo a um homem que protestava por ter sido detido. 'Somos os cavaleiros que libertaram a Líbia.'"

Relatos de dentro da cidade indicam uma catástrofe humanitária que se aprofunda. O grupo de socorro Médécins sans frontières (MSF - Médicos sem Fronteiras) relataram, quarta-feira, que estavam em contato com médicos do principal hospital de Sirte, e que eles enfrentavam uma situação cada vez mais impossível.

"Se a situação continuar por mais alguns dias ou semanas, será catastrófico. Já agora, os médicos do hospital não conseguem fazer seu trabalho de maneira adequada, e se persistir assim, a situação ficará dramática," disse o Dr. Mego Terzian, chefe dos programas de emergência do MSF-França à agência de notícias Reuters.

"Eles relataram que o hospital está lotado de feridos," disse Terzian. "Há outros tipos de emergências - pediátricas, ginecológicas e pacientes com doenças crônicas que não estão recebendo tratamento.

"Foram-nos relatadas grandes dificuldades, falta de eletricidade, água e medicamentos básicos para manter a sala de emergências em funcionamento, incluindo anestesia, antibióticos, analgésicos e bolsas de sangue," disse à Reuters.

O representante dos MSF disse que os médicos de Sirte contactaram o grupo para pedir suprimentos médicos de emergência, mas o Conselho Nacional de Transição "proibiu" voluntários dos MSF de cruzarem as linhas de cerco para auxiliarem a população.

Terzian disse que o grupo estava verificando se poderia levar sumprimentos por via marítima, mas não estava otimista. Os navios de guerra da OTAN estavam mantendo um bloqueio da costa mediterrânea da Líbia, parte integral do bárbaro cerco a Sirte.

Um outro médico, entrevistado pela Associated Press, disse que muitos dos feridos estavam sendo levados para o hospital Ibn Sina, no centro da cidade, eram civis que, aparentemente, tinham sido atingidos pela artilharia rebelde. O médico, Eman Mohammed, relatou que o hospital não tinha oxigênio nas salas de operação e pouco pessoal para tratar os pacientes.

A falta de alimentos, água, eletricidade e outras necessidades básicas também está custando caro à população em geral, particularmente, às crianças da cidade. Relatando de uma clínica na cidade de Harawa, há apenas algumas milhas de Sirte, a AFP disse que um grande número de famílias estava levando crianças pequenas com diarreia severa e vômitos.

"A maioria dos pacientes que chegam são crianças," Valentina Rybakova, uma médica ucraniana que trabalha na Líbia há oito anos, disse à AFP. "Assisti 120 pacientes desde a manhã e 70 por cento delas eram crianças. Esta é uma grande crise humanitária. Estamos tentando obter ajuda de todos, mas o maior problema é que essas pessoas não têm acesso a água limpa para beber." Ela disse que sua clínica, também, estava sofrendo de falta de medicamentos, bem como uma crítica insuficiência de enfermeiras.

"A situação, na cidade, é muito problemática," Muftah Mohammed, um vendedor de peixes que estava deixando Sirte, contou à AFP. "As crianças estão ,particularmente, em má condição. Não há leite para elas. Temos sobrevivido somente com macarrão há vários dias."

"Não há comida, não há remédios, e, todas as noites, por cinco ou seis horas, a OTAN bombardeia todo tipo de construções," Sami Abderraman, 64, disse ao jornal espanhol El País, quando tentava deixar Sirte. "Centenas de mulheres e crianças morreram como animais." Abderraman estimou que cerca de 3.000 pessoas tenham sido mortas no cerco.

Outro refugiado, que pediu para que seu nome não fosse mencionado, disse ao El País que "As pessoas que ficaram vão lutar até a morte."

Riab Safran, 28, falou ao Times de Londres enquanto seu carro era revistado em uma barreira rebelde à saída de Sirte. "Foi pior do que terrível," ele disse. "Eles atacaram todo tipo de construção, escolas, hospitais." Disse que sua família dormiu na praia para evitar as bombas da OTAN e a artilharia rebelde, que destruiu sua própria casa no sábado.

Ali Omar, que fugiu da cidade com 27 membros da sua família, relatou a carnificina levada a cabo pelos rebeldes apoiados pela OTAN em seu avanço a Sirte desde Benghazi no leste.

"Os do leste estão exterminando tudo à sua frente," disse Omar, que tem 42 anos. Ele e sua família, contou, foram retidos dentro de sua casa por artilharia pesada durante sete horas no domingo.

Vários refugiados relataram aos repórteres que os que permanecem na cidade temem a violência nas mãos dos "rebeldes" pelos relatos de que muitos do que fogem estão sendo detidos e as mulheres, retiradas dos carros que deixam a cidade.

Entre os mais temerosos estão os refugiados que fugiram de Tawergha, uma cidade acerca de 25 milhas ao sul de Misrata cuja população é composta, predominantemente, de líbios negros. As milícias anti-Gaddafi acusaram os residentes de Tawergha de terem participado do cerco de Misrata pelas tropas do governo e retaliaram com uma limpeza étnica completa. Casas e lojas, na cidade, foram queimadas e cobertas com pichações racistas. As novas autoridades de Misrata anunciaram planos para demolir a cidade inteira para que nenhum dos residentes de Tawergha possa, jamais, retornar.

Estima-se que cerca de 5.000 refugiados de Tawergha tenham buscado refúgio em Sirte e, agora, temem que sejam massacrados pelas milícias que atacam de Misrata pelo oeste. Os refugiados de Tawergha que conseguiram escapar de Trípoli também não encontraram refúgio lá. As milícias de Misrata que controlam barreiras na capital os detiveram e os prenderam em campos de prisioneiros, acusando-os de "mercenários."

A incapacidade dos "rebeldes" apoiados pelo Ocidente de sobrepujar Sirte e Bani Walid, outra cidade em poder das forças de Gaddafi, à oeste, aprofundou a crise no CNT, que tem, repetidamente, falhado em levar a cabo os anunciados planos para formar um governo provisório e tem visto sua autoridade ser alvo de críticas de milicianos fundamentalistas.

Esta crise motivou apelos do CNT para que a OTAN intensifique seus bombardeios de Sirte e Bani Walid.

As exigências levaram a uma enfática negativa da OTAN de que não estivesse fazendo o suficiente para apoiar os cercos das duas cidades. "OTAN não reduziu sua atividade na Líbia," disse o portavoz da aliança, Coronel Roland Lavoie, que ressaltou que as aeronaves da OTAN conduziram 100 missões, na terça, incluindo 35 "ataques a alvos."

Desde o início da guerra contra a Líbia, no passado março, a OTAN conduziu 24.140 missões, incluindo 9.010 ataques a alvos, deixando boa parte do país em ruínas e matando e ferindo milhares.

O Coronel Lavoie acrescentou: "O número de ataques depende do perigo contra a população civil em conformidade com nosso mandato. Nosso objetivo não é apoiar as forças de solo do CNT, é por isso que não há coordenação operacional com as tropas do CNT."

Esta afirmação é, claro, pura propaganda que nem dissimula o fato de forças especiais, agentes de inteligência e contratados de empresas de mercenários britânicas, francesas, estadunidenses e catarianas terem organizado, treinado e armado os exércitos "rebeldes", cujos avanços só foram possíveis devido aos bombardeios da OTAN.

O assim chamado mandato alegado pela OTAN é a resolução aprovada no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no passado março, autorizando uma zona de exclusão aérea e "todas as medidas necessárias para a proteção de civis sob ameaça de ataque."

Na ocasião, os EUA e seus aliados da OTAN alegaram que a intervenção era necessária para deter um suposto massacre iminente de civis, na cidade oriental de Benghazi. Desde então, os bombardeios da OTAN e a guerra civil fomentada pelas potências ocidentais gerou mais perda de vidas do que, jamais, foram ameaçadas pelo regime de Gaddafi.

Agora, a resolução está sendo invocada para justificar que a OTAN e as milícias por ela apoiadas levem a cabo, em Sirte, precisamente o tipo de cerco assassino contra a população civil que as potências imperialistas estadunidense e europeias fingiram prevenir.

A morte e destruição que continua por mais de seis meses desde que a OTAN iniciou seus bombardeios e mais de um mês após ter proclamado a queda do regime de Gaddafi serve para sublinhar o caráter predatório desta guerra, que foi envidada não com base em preocupações "humanitárias", mas em interesses imperialistas.

Texto de Bill Van Auken (Tradução de Sérgio Cardoso Morales)

Fonte: blog do nassif