domingo, 31 de julho de 2011

A seletividade da "grande" Mídia

Este post não pretende questionar a função fiscalizadora da imprensa nas democracias e, sim, a seletividade nessa fiscalização, ou seja, pura hipocrisia.

Não é ruim que a imprensa fiscalize a vida privada dos políticos desde que não faça isso em benefício de outros políticos, tornando-se partícipe do jogo político-partidário, o que lhe retira a credibilidade, razão pela qual esses conglomerados de mídia negam até a morte que têm qualquer preferência política.


Em 1996, Paulo Henrique Cardoso era casado com a filha do dono do Banco Nacional, cuja falência foi evitada por medida provisória editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Aquela medida tornou possível a venda de parte boa do Banco Nacional para o Unibanco. A parte podre — de seis bilhões de dólares — ficou para o governo pagar. Este blogueiro se cansou de ler editoriais do Estadão defendendo a negociata.

Em 2000, dois anos antes de deixar o poder, FHC autorizou financiamento do seu governo à empresa do próprio filho, Paulo Henrique Cardoso, para montar o pavilhão brasileiro na Expo 2000 na Alemanha, na cidade de Hannover. Foram doados pelo governo federal, então, 14 milhões de reais. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal chiaram, inclusive. A imprensa, porém, deu algumas raras reportagens sobre o caso e nunca mais tocou no assunto, sobretudo depois que FHC deixou o poder.

A boa e velha hipocrisia da mídia dirá que tudo isso aconteceu faz tempo e tentará convencer os incautos de que naquela época foi feito um barulho sequer parecido com o que se faz hoje sob meras especulações e não sob fatos concretos como aqueles que pesavam sobre o filho do ex-presidente tucano. Contra Fábio Luís Lula da Silva, por exemplo, afirmam que financiamento da OI à empresa dele seria escandaloso. Mas alguém viu algum jornalista chamar de escandalosos os fatos sobre o filho de FHC?

E o pior é que PHC continua se metendo em negócios estranhos, para dizer o mínimo. A mídia deveria ter curiosidade sobre seus negócios porque seu pai é o líder máximo do maior partido de oposição, partido que controla governos estaduais poderosos como os de São Paulo (o mais rico do país) e Minas Gerais, sem falar da ascendência do ex-presidente sobre a grande mídia, o que faz dele político a ser agradado por empresas privadas.

Veja só, leitor, o negócio fechado no fim do ano passado pelo filho de um dos políticos mais poderosos e influentes do Brasil, um negócio sobre o qual a grande mídia não especulou nada, não quis saber nada e não publicou nada. Em 29 de novembro do ano passado a Rádio Disney estreou oficialmente no Brasil na frequência FM 91,3 MHz de São Paulo. A emissora foi negociada no começo do ano, quando a Walt Disney Company se uniu à Rádio Holding Ltda. e comprou a concessão. A Holding pertence a Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e detém 71% do negócio.

Walt Disney Company é um dos maiores grupos de mídia dos Estados Unidos e esse será o seu maior investimento no Brasil. Teve que se associar minoritariamente ao filho de FHC porque a legislação brasileira não permite que empresas estrangeiras controlem veículos de comunicação. Por isso precisa de um brasileiro…

O filho de Lula, dito “Lulinha” pela mídia, recebeu acusações explícitas e incessantes por receber financiamento de uma grande empresa. Por que foi diferente com o filho de FHC? O caso deles é bastante parecido, ora. Ambos têm sócios poderosos em empresas de comunicação – “Lulinha” produz conteúdo para uma televisão UHF e Paulo Henrique é sócio de um tubarão internacional numa rádio.

É injusto dizer que há irregularidades nesses negócios de familiares dos ex-presidentes. Para expor as famílias da forma como a Folha fez com a neta de Lula, deveria haver mais do que especulações. Tanto para a família do ex-presidente petista quanto para a do tucano. Os valores que eles cobram pelas palestras, idem. Mas se a mídia quer investigar, que faça com todos os políticos e não só com aqueles dos quais não gosta.

Reflexões sobre a propaganda política


A essência geral deste artigo está na reflexão sobre a propaganda política como uma das estratégias de marketing.

A propaganda vende ideias; e a publicidade, produtos. O que há de comum entre as duas é o desejo de vender alguma coisa a alguém, ou seja, oferecer um benefício que está implícito em ambas as mensagens.

Uma vende o candidato (ideia); a outra, um produto (valor). Em Propaganda e consciência popular, de Chomsky (2003), podemos observar que a propaganda é um ato sobre a mente individual, sobre grupos com características comuns e que tem por objetivo a mudança de atitude. “Nós podemos dizer que a propaganda é a produção de efeito para aumentar os efeitos nos meios”.

Dois exemplos interessantes encontrados na literatura especializada atribuídos a Lenin e Hitler dão-nos a dimensão do efeito persuasivo da propaganda política.

O primeiro percebeu que a propaganda penetra em todas as camadas sociais, não apenas pelos meios, ou seja, ela contamina, se espalha e agrega as pessoas em torno de uma ideologia.

O segundo atribuiu à propaganda a tarefa de conservação do poder e a oportunidade de “conquistar o mundo”. É muito comum encontrar, nos feitos de Hitler e seu ex-ministro Goebbels, atribuições que levam à “recriação” da própria propaganda política. Na verdade, o que se observa é que eles aperfeiçoaram a forma de midiatizar os discursos.

Descobriram que é possível pensar em “um controle” valendo-se dos meios para produzir a crença de que ela leva à servidão voluntária, à adesão a “uma causa” e ao despertar da fé.

Hoje em dia, com a evolução dos meios digitais, há a intensificação da manipulação de ideias pela facilidade de ampliar o registro comunicativo em rede. Mas é preciso analisar com muita cautela esse “uso”.

Não dá para comparar ditaduras, partidos e ideologias do século passado e aplicá-los na propaganda política atual. Mesmo porque a própria ideia de “controle” descola das realidades e características digitais. Mas, grosso modo, alguns conceitos ainda resistem e podem ser vistos nas propagandas dos blocos partidários, mesmo com a variedade encontrada no sistema democrático.

Divisões de classe, proletário x burguesia, a ideia de que determinado lado cuida melhor deste ou daquele, de que o partido X é melhor que o Y são conceitos herdados que podem ser identificadas em Lenin e Hitler e estão em pleno uso hoje. As massas, na maioria das vezes, continuam, até hoje, sendo usadas como meio de manipulação ideológica.

Importante resgatar essa maquinaria teórica para discutir a propaganda política atual e perceber que o discurso na era do ciberespaço nos leva a diferentes direções. É preciso pensar além do projeto que está na cabeça do candidato ou do gestor de marketing. Apenas dizer por dizer tem sido uma prática constante na maioria dos discursos políticos – o que tem entediado o eleitor. Faz-se necessário obter certo sentido daquilo que se diz e definir o que se pretende colocar em prática. Isso facilita a “venda” do candidato, já que a essência da propaganda está na transmissão à sociedade de uma relação comercial. Quem compra algo precisa perceber sua utilidade.

Texto de Didi Pasqualini - Diógenes (Didi) Pasqualini é Jornalista, Especialista em Marketing Político e Propaganda Eleitoral e Mestre em Comunicação e Semiótica.

Fonte: Canalrioclaro

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Política - Para entender a estratégia Lula-Dilma na atualidade

Apesar de surpreender a gregos e troianos, a estratégia política de Lula-Dilma Rousseff é relativamente fácil de desvendar.

A primeira peça do jogo é não imaginar Dilma dissociada de Lula. Não existe hipótese para ciumeiras, rompimentos. A diferença de estilo entre ambos não é semente para futuras disputas, mas peça essencial na sua estratégia.

Primeiro, vamos às afinidades políticas e à continuidade de ambos os governos:

1. Ambos são sociais-democratas. Não se exija perfil revolucionário, nem mesmo estatizante, embora estejam longe de se constituir em neoliberais.

2. São políticos focados em resultados sociais, como peça central de legitimação política, Dilma dando mais atenção à gestão, Lula à política (mesmo porque tinha Dilma para cuidar da gerência).

3. Na política econômica, a prioridade absoluta é o controle da inflação. Câmbio, desindustrialização, juros, é resto. E resto é resto. Embora Dilma tenha formação desenvolvimentista, a realpolitik se sobrepôs às demais prioridades. Se a crise internacional piorar, pode criar vulnerabilidades nessa parte da estratégia.

4. No plano político, a lógica não é do confronto, mas da soma. Dilma aprendeu com Lula a dividir os contrários em dois grupos: os adversários e os inimigos. O primeiro grupo é para ser cativado ou cooptado.

Diferenças periféricas
As diferenças de estilo entre Lula e o Dilma são periféricas, embora importantes na montagem da estratégia política. No plano econômico e ideológico, são governos de continuidade.

Muitos analistas, à direita e à esquerda, tomam a nuvem por Juno, as diferenças periféricas pelas essenciais. E acabam se confundindo na análise do governo Dilma e de sua estratégia política.

Os fatores utilizados pela velha mídia para desgastar Lula (fazendo muito barulho, embora influenciando apenas 5% do eleitorado) são desimportantes e nada tem a ver com as peças centrais de sua política.

No plano político, nos últimos anos desenterrou fantasmas da guerra fria que se supunham extintos desde os anos 60. Na diplomacia, a questão iraniana. Na política interna, o pesado véu de preconceito contra Lula e o enfrentamento nos últimos anos.
As críticas contra as políticas sociais foram devidamente enterradas pelos fatos.

Ao assumir, sem comprometer os pontos centrais de sua política, Dilma definiu um estilo diferente de Lula na forma, embora muito similar no conteúdo – inclusive surpreendendo os que supunham que partiria para um confronto direto com adversários.

Colocou a questão dos direitos humanos como foco da diplomacia, deu atenção a FHC, compareceu ao aniversário da Folha, nos últimos dias convidou jornalistas brasilienses para conversas no Palácio, respondeu rapidamente às denúncias consistentes.

Completa-se assim a estratégia. Dilma se incumbe do establishment, que rejeita Lula. No plano midiático, blogosfera para ela é como a Telebrás, serve apenas para ajudar a regular a mídia. O mesmo ocorre com movimentos sociais e sindicatos.

Já Lula garante os movimentos populares, o sindicalismo, a blogosfera e a ala esquerda. E estende sua sombra sobre os adversários. Se endurecerem muito com Dilma, entra na briga. Se Dilma não se sair bem no governo, ele volta.

Perto dessa estratégia, a oposição só tem perna de pau: um guru que ensarilhou as armas,FHC; um político esperto mas sem ideias, Aécio Neves; e um desatinado,José Serra.

Cumprir-se-á o vaticínio do sábio José Sarney, de que a nova oposição sairá das entranhas do governo.

Fonte: advivo.com.br/blog/luisnassif

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O terrorista viking da extrema-direita


O assassino norueguês é cristão fundamentalista, é contra o Islã, o multiculturalismo, a mestiçagem, os imigrantes e contra o trabalhismo democrático que governa o país.

Alguns jornais americanos e europeus, e também alguns jornalistas brasileiros ( da Folha, Estadão e Globo) mais apressados (e preconceituosos) foram logo atribuindo à Al-Qaeda os atentados cometidos em Oslo, na Noruega, no qual morreram 92 pessoas e restam cinco desaparecidas. A razão invocada parecia evidente – seria em represália aos soldados noruegueses no Afganistão, à participação nos bombardeios na Líbia ou às caricaturas de Maomé.

Mas se enganaram. O autor dos atentados não usa turbante, nem se chama Mohamed ou Mustafá, nem tem barba, nem grita Alá é Grande e nem se suicidou como costumam fazer os kamikases islamitas.

É um autêntico escandinavo, alto e magro como um manequim, de cabelos loiros, rosto branco longo, bem escanhoado e olhos azuis. Suas fotos estão hoje em todos os jornais, na televisão, na Internet e na memória dos pais que perderam seus filhos queridos.

Anders Behring Breivik, legítimo descendente dos vikings, é o que as mulheres chamariam de um homem bonito com cara de anjo, que qualquer pai deixaria sair de noite com sua filha.

Engano fatal. Anders Behring Breivik é um assassino, cruel, impiedoso, que, na ilha de Utoya, passou uma hora e meia descarregando seu fuzil-metralhadora nos jovens participantes de um acampamento promovido pelo Partido dos Trabalhadores e teria matado um número maior, se não fosse a chegada de policiais alertados por desesperados twiters.

Ex-membro de um partido nacionalista, da direita populista da Noruega, na verdade da extrema-direita. O Partido do Progresso, seu nome, reúne os defensores dos ideais conservadores e quer a proteção da Noruega contra a invasão dos imigrantes estrangeiros, coisa de 10% de trabalhadores, que deixaram seus países ensolarados para terem emprego e bom salário no frio, mas rico país exportador de petróleo.

Anders Behring Breivik é nacionalista, defende os valores culturais e religiosos do cristianismo fundamentalista, é contra o Islã ou religião muçulmana, contra o multiculturalismo, contra a mestiçagem da sociedade ocidental, contra os imigrantes e contra o socialismo trabalhista democrático que governa o país. Frequentou um clube de tiro ao alvo, donde sua precisão no massacre perpretado, tinha revólver e fuzil-metralhadora em casa e aprendeu a fazer bomba com adubo agrícola. Bombas, diga-se de passagem, mais potentes que as usadas pela Al-Qaeda.

O bonito e angelical norueguês lembra um americano também capaz de colocar em prática seu ódio ideológico. Lembra Timothy McVeigh, do atentado também contra um prédio administrativo em Oklahoma City, no qual morreram 168 pessoas, em abril de 1995. Timothy era branco, jovem de 26 anos, e se sentia atraído pelas idéias extremistas dos neonazistas. E igualmente não se suicidou após o massacre cometido. Talvez se possa dizer que tanto Timothy como Anders sentiram-se satisfeitos por terem concluído seus projetos de ódio.

E se o autor dos atentados fosse islamita? Provavelmente, haveria uma represália e se responsabilizaria a coletividade muçulmana. Porém, como Anders é noruegues, militante de extrema-direita como provam seus escritos sob pseudônimo na Internet e seu plano de massacre datado de 2009, não haverá uma responsabilização do fundamentalismo cristão, nem da ideologia da extrema-direita, que cresce nos países escandinavos.

Se não aparecerem cúmplices nos atentados, Anders será considerado simplesmente um louco solitário e ponto final.

Texto de Rui Martins, jornalista, escritor, líder emigrante, correspondente em
Genebra

Fonte:http://correiodobrasil.com.br

domingo, 24 de julho de 2011

15-M retoma Puerta del Sol com chegada da marcha a Madrid


Os participantes da Marcha Popular Indignada organizada pelo movimento 15-M chegaram sábado (23) a Madrid. Seguidores de seis diferentes rotas, vindas de diversas cidades espanholas com destino à capital do governo do país, todos traziam nos pés o cansaço de 29 dias de caminhada e no rosto a emoção do encontro, ao fim da jornada, com tantas pessoas que tinham traçado seu trajeto em direções opostas, para alcançar um mesmo objetivo: manifestar sua oposição às atuais políticas socioeconômicas postas em práticas pelos líderes do continente europeu. "De norte a sul, de leste a oeste, la lucha sigue, cueste lo que cueste!", a frase era gritada em coro por milhares de militantes reunidos às 21h00 na Puerta del Sol, confluência entre as rotas Norte, Sul, Leste, Oeste, Nordeste e Noroeste, que se estenderam como diferentes braços da Marcha, passando por povoados e pequenas cidades para coletar os problemas e reivindicações populares presentes em cada um desses locais.

Decidi me somar aos integrantes da Rota Nordeste, saída de Barcelona, quando os primeiros raios solares da manhã de sábado ainda faiscavam no ceu. Depois de cerca de oito horas viajando num ônibus fretado pela Comissão de Terceira Idade da Acampada Barcelona, desde a Praça Catalunha, ponto de partida da excursão, cheguei finalmente a Torrejon de Ardoz, povoado que se localiza a 23,6 km de Madrid. Aquela havia sido a última parada para essa rota da marcha, antes de sua tão esperada chegada à sede do governo espanhol. As duas lotações que vinham da capital catalã para percorrer o último trecho da caminhada, encontraram os ativistas andarilhos em um pavilhão de exposições, que lhes havia sido cedido pela população local como abrigo. Ali fomos recebidos com simpatia e um café-da-manhã farto, todo preparado com doações da comunidade. Depois de um tempo de espera até que os acampados desfizessem suas tendas e as Comissões de Cozinha e Infraestrutura preparassem suas furgonetas, a Marcha finalmente voltou à estrada.

Aqueles que haviam participado da aventura desde o início podiam ser identificados pelo tom moreno da pele, exposta tantos dias ao calor das atuais tarde de verão. Alguns, cujos rostos eu lembrava de Assembleias Gerais na Praça Catalunha, pareciam mais magros e desgastados fisicamente, ao mesmo tempo em que mostravam no brilho dos olhos alegria e ânsia por cumprir de vez a missão a que se haviam proposto. E, de fato, ao longo do caminho, esses militantes jamais deixaram de compartilhar seu ânimo com os carros que passavam, fazendo o convite para que apoiassem o protesto por meio de buzinas e acenos. A maioria trazia, além de mochilas e garrafas de água, cartazes com frases de indignação, e coletes de cor fosforescente que, além de sinalizar a presença de pedestres ao trânsito, simbolizava o espírito de luta do grupo, no conteúdo das mensagens escritas à canetinha em suas costas.

Foram cerca de seis horas de procissão, passando por uma cidadezinha chamada San Fernando de Henarez, em que a população parou para ver a movimentação nas ruas. Durante todo o percurso, os indignados itinerantes gritavam a acusação de "culpables" frente a agências bancárias, enquanto um rapaz posicionava uma placa com a palavra "não" frente ao logotipo dessas empresas financeiras. Também despertavam a revolta dos manifestantes, fazendo com que aumentassem o tom de voz dos protestos, cartazes divulgando a visita do Papa à Espanha que podiam ser vistos em algumas das paredes que circundavam o trajeto. O alto valor a ser desembolsado com a recepção dessa autoridade maior da Igreja Católica, já anunciado pelo governo espanhol, na visão dos "indignados", representa um absurdo frente ao corte de gastos públicos em áreas prioritárias como saúde e educação. Pouco depois, foi feita uma parada para que os militantes comessem frutas, bebessem água, fossem ao banheiro e também tivessem a oportunidade de assinar um manifesto contrário à construção de um aterro sanitário em um terreno próximo dali.

O descanso foi curto: cerca de 40 minutos antes de regressar à estrada. E a caminhada seguinte rendeu, fazendo-se a passos largos e com a força da gente que havia se somado, até que nova parada para recuperação de energias sob a sombra aconteceu em um parque do município de Caslada. A cada pausa, o movimento recebia novas adesões, doações de comida ou simplesmente aplausos e sorrisos de incentivo. Toda essa vibração positiva se convertia em gritos de entusiasmo e hinos musicais, que eram produzidos pelos integrantes da marcha para extravasar a exaustão com alegria.

A jornada, então, seguiu até um de seus momentos mais emocionantes. Durante a passagem sob um túnel na entrada de Madrid, uma grande massa fez cartazes e faixas vibrarem enquanto entoava em eco "Si, si, estamos em Madrid!". Nesse instante, muitos dos ativistas que já levavam quase um mês nessa vida de andarilho, puseram-se a chorar comovidos.

Pouco depois, os integrantes da Marcha chegavam ao Parque Paraíso, localizado já na capital espanhola, no cruzamento entre as Avenidas Arcentales e García Noblejas. Ali, as comissões de Infraestrutura e Cozinha do 15-M montaram uma acampada improvisada, onde todos tiveram acesso a alimentação e bebida gratuitas, tudo produto de doações. Relaxava as pernas e as costas, doloridas com o peso da mochila, deitada sob uma árvore frondosa, quando fui convidada a beber um copo de gazpacho. O cardápio ainda incluía macarrão, tortilla de batatas, frutas e saladas para os vegetarianos e veganos, e sanduíches de jamón e queijo, além de sucos e leite com chocolate. Despois de comer bem e descansar, os militantes utilizaram um palanque feito às pressas com a conexão de um microfone a duas caixas de som, para transmitir recados, fazer agradecimentos aos que se empenharam para o sucesso da marcha, e também avisar que a manifestação com o objetivo de encontrar as outras rotas da jornada, na Puerta del Sol, teria início às 18h00.

E assim foi. Na hora marcada, todos já estavam a postos, com novos cartazes, fantasias e bagagens de acampamento, na saída do parque, para dar início à mobilização. Foram mais duas horas de caminhada ao som de intrumentos de percussão levados po alguns dos manifestantes e gritos indignados que comunicavam, dentre outras mensagens: "No es crisis, es capitalismo", e "Menos polícia, más educación". A repressão policial se fez lembrar mais nas palavras dos ativistas do que em sua presença de fato. Algumas viaturas da Guarda Urbana podiam ser vistas durante todo o trajeto seguido pelos militantes, mas sua interferência apenas se fazia notar na tentativa de organizar o trânsito, pedindo em um momento ou outro, que os participantes dos protestos dessem espaço à passagem de carros. Confronto entre policiais e população não houve e tampouco esse tipo de ação se justificaria diante da pacifidade e do clima de festa observados durante toda a mobilização.

Ao longo do caminho, como sempre, os manifestantes chamavam os bancos de "culpáveis" e convidavam o restante da sociedade à participação. "No nos mires, une-te", diziam os integrantes do 15-M, recebendo como resposta expressões receptivas ou simplesmente curiosas, de pessoas que passavam com pressa pelas ruas, ou assistiam ao barulho dos protestos de suas sacadas e janelas. Antes de alcançar o ponto de chegada, os "indignados" ainda pararam frente ao Corpo de Bombeiros, onde manifestaram sua solidariedade a essa classe de trabalhadores, que também tiveram seus salários cortados em consequencia das medidas de austeridade econômica do governo espanhol. Os bombeiros receberam a iniciativa sorrindo, acenando e fazendo fotografias dos manifestantes.

Quando, finalmente, a massa popular chegou à Puerta del Sol, um grande cartaz dava as boas vindas à marcha, enquanto outros posters coloridos decoravam a famosa estação de metrô da praça, e uma nova acampada começava a se formar com a montagem de uma tenda de comunicação, a partir de onde seriam instalados os equipamentos necessários para a realização de uma grande Assembleia Geral no local. Desse modo, uma grande reunião aconteceu no coração do 15-M, com a participação dos integrantes de diversas marchas e também a presença de estrangeiros, especialmente italianos, alemães, franceses, portugueses e duas garotas gregas, que tomaram o microfone para informar que a juventude de seu país continua acampada na Plaza Sintagma, em Atenas, apesar da forte repressão policial, que tem sido entrave à organização do movimento grego. A assembleia também contou com testemunhos emocionados de participantes da Marcha, que compartiram seu aprendizado durante os 29 dias de realização de assembleias e experimentação de uma nova forma de democracia, baseada no contato direto com as necessidades populares.

Para descontrair, houve espaço destinado a recital de poesias e apresentações musicais, incluindo uma dupla de Barcelona, que compôs uma canção inspirada na Marcha Popular. O refrão que diz "Somos indignados que protestam, fomos indignados de sofá" e "Vamos devagar porque vamos longe" converteu-se em hino de rebeldia, cantado e aplaudido de pé pelos presentes.

O encontro acabaria somente por volta da 1h00 do dia 24, com o convite para que os interessados em auxiliar na montagem de uma nova acampada, frente ao Museu do Prado, somassem-se aos integrantes das comissões do movimento. Eu que, de início, pensava em me abrigar sob alguma das tendas disponibilizadas dessa maneira, rendi-me ao cansaço e fui buscar um hostel barato onde pudesse ter o mínimo de paz para recuperar as forças do organismo e refletir sobre a complexidade do que havia passado durante esse inusitado dia. Enquanto caminhava, afastando-me da Puerta del Sol, pensei no quanto minha mente ainda está acomodada a certos confortos, que talvez já não façam a mínima diferença para quem tem levado a luta do 15-M às últimas consequencias, somando mais de dois meses de acampamento, com a previsão de ainda mais trabalho diante de outras mobilizações e novos alojamentos que já se planejam. Pensa-se, por exemplo, na realização de mais uma Marcha Popular em outubro, desta vez com destino a Montpellier, na França. E neste domingo uma grande manifestação acontecerá em Madrid, desde a estação Atocha até a Puerta del Sol, a partir das 18h30, para declarar o descontentamento popular com os efeitos do capitalismo internacional à queda da qualidade de vida da população.

Além disso, até pelo menos terça-feira, a acampada frente ao Museu do Prado continua, com atividades e discussões programadas para todos os dias. Dentre elas, amanhã (25/7), um Fórum Social do 15-M será realizado desde cedo até as 21h00, no Parque del Retiro, abrangendo debates sobre temas, como Política, Relações Internacionais, Meio Ambiente, Economia, Feminismo, dentre outros. Estarei acompanhando tudo, desta vez, desde a acampada, onde terei menos tranquilidade e infraetrutura para escrever, mas o ambiente me permitirá a busca pela libertação do comodismo, que já faz parte do cotidiano daqueles que já não são indignados de sofá, mas sim, revolucionários em tempo integral.

Texto de Fabíola Munoz - Direto de Madri, Especial para a Carta Maior

Fonte: agênciacartamaior

sábado, 23 de julho de 2011

“Os verdadeiros reis do calote”


Um dos mitos mais celebrados destes tempos de crise econômica européia envolve a população da Grécia.

É assim: como o país à beira da falência, abandonado por bancos alemães que se recusam a assumir suas responsabilidades por empréstimos levianos e abusivos, tornou-se conveniente apresentar os gregos como um povo com pouca disposição para o trabalho e muita vocação para tirar proveito da riqueza da Europa mais desenvolvida. Em compensação, segue a mitologia, a população alemã teria uma cultura de austeridade e previdencia, de quem se dispõe a fazer sacrifícios indispensáveis para conseguir seu bem-estar.

Thomas Friedman, um dos mais badalados articulistas do New York Times, chegou a escrever outro dia que os gregos têm muito a aprender com os alemães, se quiserem tornar-se um país melhor, mais desenvolvido e equilibrado. Não faltam observadores que gostam de dizer que a população grega revela aquele comportamento acomodado de quem explora uma riqueza que caiu do céu — seja o petróleo, no caso de países que possuem imensas reservas, sejam os créditos baratos dos países desenvolvidos.

Pena que essa mitologia, que se encaixa perfeitamente com a necessidade de quem precisa dar legitimidade a um projeto que irá submeter uma das populações mais pobres da Europa a um programa de sacrifícios dolorosos e questionáveis, não tenha apoio na realidade. A experiencia concreta das nações ensina que não é justo falar em povos trabalhadores ou acomodados, previdentes ou temerários — mas avaliar as condições materiais em que tentam se desenvolver e melhorar de vida.

Ao longo do século XX foram justamente os governos alemães que deram sucessivos calotes financeiros em outros países, recusaram-se a honrar os acordos firmados e exibiram que a população de outras nações fizesse sacrifícios.

Quem nos ajuda a lembrar essa realidade é a revista alemã Der Spiegel, a mais respeiada do país, ao publicar uma entrevista com um historiador de economia chamado Albrecht Ritschl. Relembrando difíceis momentos do século XX, Ritschl afirma: “Durante o último século, a Alemanha foi à falencia três vezes.” O professor explica : “a Alemanha Federal deve sua estabilidade financeira e seu status de boa aluna da Europa aos Estados Unidos que, depois da Primeira Guerra Mundial, e também depois da segunda, renunciou a somas consideráveis.”

Ritschl lembra que a própria Grécia encontra-se entre os países chamados a auxiliar a propria Alemanha a recuperar-se e que arcou com uma parte do prejuizo — o que não deixa de ser uma ironia. Por varios anos a Alemanha Federal recusou-se a honrar indenizações acertadas com países que foram ocupados durante a Segunda Guerra — entre eles a própria Grécia. Os alemães só quitaram boa parte de suas dívidas na última década do século passado.

O professor refere-se a momentos conhecidos da história, que muitas pessoas consideram incômodo recordar nos dias de hoje.
Entre 1924 e 1929, com o país devastado pela Primeira Guerra Mundial, a Republica de Weimar sobrevivia de crédito e chegou até a emprestar dos Estados Unidos aquele dinheiro que necessitava para pagar as reparações da Primeira Guerra Mundial, construindo uma pirâmide financeira que afundou na crise de 1931, lembra o professor — recordando aqueles momentos que foram decisivos para o colapso do regime democrático e ascenção do nazismo que levou Adolf Hitler ao poder dois anos mais tarde.
“Os desgastes foram consideráveis nos Estados Unidos e tiveram um efeito devastador sobre a economia mundial. Produziu-se a mesma coisa depois da Segunda Guerra Mundial. “Mas os Estados Unidos garantiram que a Alemanha não fosse vítima de reparações exorbitantes.” Para o professor, essa atitude “é que salvou a Alemanha e foi o fundamento do milagre econômico que teve início nos anos 1950.”

O depoimento do professor tem a utilidade de desmontar ideologias que só tem a utilidade de proteger interesses que não gostam de se exibir à luz do dia.

Num lance de moralismo desinformado, procura-se culpar a população grega — e também a portuguesa, espanhola, irlandesa, quem sabe italiana — por uma situação que envolve um ambiente economico muito maior. Em busca de mercados para seus investimentos, os bancos alemães montaram esquemas financeiros levianos junto a clientes que nem sempre tinham todas condições de honrar seus compromissos.

A irracionalidade da economia mercado costuma pregar peças e armadilhas nas populações do mundo inteiro, como a população americana descobriu em 1929 e 2008. A atitude de deixar os países quebraram não é apenas injusta mas também é irresponsável — como revela a própria história recente de sucesso da economia alemã. Se não tivesse recebido o tratamento que hoje rejeita à populaçãopobre da Europa, a Alemanha Federal não teria se recuperado de duas tragédias economicas sucessivas.

texto de PAULO MOREIRA LEITE

Fonte:http://colunas.epoca.globo.com/

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Segundo resgate da Grécia tenta salvar euro


Os líderes dos 17 países da Zona Euro anunciaram quinta-feira um segundo plano de resgate à Grécia, para impedir a sua bancarrota e tentar deter o efeito de contágio que, depois da Irlanda e de Portugal, ameaçava já atingir Espanha e Itália, pondo em risco a subsistência do próprio euro.

Depois de o primeiro empréstimo à Grécia se ter demonstrado insuficiente, já que a brutal austeridade imposta mergulhou o país numa profunda recessão e impediu-o de cumprir as metas previstas, este segundo resgate envolve empréstimos de 109 bilhões de euros oriundos da Europa e do FMI. Os bancos privados credores darão uma “contribuição voluntária” de 37 bilhões, e prevê-se que farão recompra de dívida no mercado, no valor de 12,6 bilhões.

Por outro lado, as taxas de juros dos empréstimos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) foram reduzidas para até 3,5% e o prazo de pagamento alargado de 7,5 anos para 15 anos – uma medida que abrange também Portugal e Irlanda.

“Fundo Monetário Europeu”
O FEEF, que dispõe de 450 bilhões de euros e já começa a ser considerado como uma espécie de “Fundo Monetário Europeu”, passa a poder comprar dívida pública dos países em dificuldades e e a refinanciar as instituições financeiras, bem como a garantir as dívidas dos países resgatados e a oferecer créditos preventivos a países que entrem na mira especulativa dos chamados “mercados” – como a Espanha e a Itália.

O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, que durante muito tempo se opôs a uma participação dos bancos privados no novo resgate, por este poder ser encarado como um incumprimento parcial (default) por parte da Grécia, acabou por concordar com o plano, sublinhando que a participação do sector privado fica limitada à Grécia, sendo explicitamente recusada para os outros países sob intervenção (por enquanto, Irlanda e Portugal).

A chefe do governo alemão, Angela Merkel, sublinhou a importância de se defender a moeda única:

“A União Europeia é a base para o bem estar e a paz, e os esforços que estamos a fazer nestes dias em prol da Europa e do euro serão recompensados de forma múltipla, são investimentos no bem estar do nosso país e dos seus cidadãos”, disse. Antes da cúpula, Merkel dissera que não haveria “avanços espectaculares de repente”.

Críticas
Num primeiro comentário ainda antes de o plano final ter sido divulgado, e baseado num esboço, o economista e Prêmio Nobel da Economia Paul Krugman chamou a atenção para que o plano inclui a obrigação de todos os países-membros da UE reduzirem o seu défice para 3% até 2013, ao mesmo tempo que o BCE está a aumentar as taxas de juros. “OK, vamos pedir dura austeridade para os países que enfrentam crises com as suas dívidas; e, entretanto, vamos também ter austeridade nos países que não têm crise de dívida”, constata o economista no seu blog no The New York Times. “Assim, a procura ficará deprimida tanto nas economias em crise quanto nas que não estão; isto vai levar a uma vigorosa retomada através... o quê?” E conclui: “As pessoas sérias estão determinadas a destruir todas as economias avançadas em nome da prudência.”

Wolfgang Munchau, um dos principais analistas do Financial Times, escreveu que a questão fundamental que os líderes europeus têm pela frente não é a crise da Grécia, mas saber tomar decisões de forma a que “Itália e Espanha, e todos os outros também, possam manter-se dentro da zona euro numa base sustentável.” Para isso, observa, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira deveria dispor do dobro ou do triplo dos 450 bilhões de euros de que dispõe hoje. “Com um segundo crédito à Grécia... e segundos programas para a Irlanda e Portugal bastante prováveis, o teto não será suficiente para a Espanha e muito menos para a Itália”, diz o analista, sublinhando que o plano fica muito aquém das necessidades.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O fracasso da OTAN na Líbia


A coalizão da OTAN está desmanchando-se, embora não haja notícia disso na imprensa dos EUA. O ministro francês da Defesa, Gerard Longuet, em entrevista no final de semana a uma rede francesa de televisão, disse que a ação militar contra a Líbia fracassou. E que é hora de iniciarem-se negociações diplomáticas: “Agora, temos de nos sentar em torno de uma mesa, e negociar. Pararemos de bombardear a Líbia no instante em que os líbios começarem a conversar entre eles e todos os exércitos, dos dois lados, retornarem às bases".

Depois de três meses e meio de bombardear e fornecer armas a vários grupos de oposição a Kaddafi, o fracasso da OTAN, nos esforços para promover “mudança de regime” na Líbia, já salta aos olhos.

Claro que os comandantes da OTAN ainda esperam que alguma bala perdida consiga matar Kaddafi, mas, até agora, ele continua onde sempre esteve, os líbios não se levantaram contra ele e, de fato, são as potências que compõem a OTAN que brigam furiosamente entre elas.

As matérias que vêm da Turquia sobre as ‘decisões’ do Grupo de Contato da OTAN para a Líbia têm uma aura surreal. A secretária de Estado dos EUA e Hague, ministro de Relações Exteriores britânico, falam em tom solene sobre o compromisso de ambos com a “mudança de regime” e com fortalecer os laços com o Conselho de Transição em Benghazi.

Mas o fracasso de toda a ‘operação OTAN’ já é tema para historiadores – perfeito sinal de alerta sobre os perigos dos delírios políticos a serviço do “intervencionismo humanitário”, da insuficiência dos serviços de inteligência, das fantasias sobre a eficácia da guerra aérea e da mais impressionantemente mentirosa cobertura de imprensa de que se tem notícia na história contemporânea.

Considere-se o primeiro-ministro britânico David Cameron. Cameron deve agradecer a Rupert Murdoch e até a Andy Coulson, já atirado aos tubarões, por um irônico favor que lhe prestam. O espantoso erro, a obstinação de Cameron, que insistiu em contratar e manter Coulson, ex-editor do jornal News of the World, no posto de seu principal conselheiro ‘midiático’, está ocupando tão completamente as manchetes de toda a imprensa britânica nos últimos dias, que a opinião pública está sendo levada a esquecer outro espantoso erro de Cameron. E assim, Cameron vai-se livrando do ridículo e do escárnio, também no plano internacional.

Quando Cameron correu, com o presidente Sarkozy da França, no início de março, para comandar o ataque contra Kaddafi, nada parece ter perturbado a autoconfiança cega do primeiro-ministro. Foi como se a cegueira, as trapalhadas e os erros de Blair no Iraque, que depois se repetiram incansavelmente por vários anos, jamais tivessem existido.

Deve-se pressupor que Cameron, como Sarkozy, Clinton e Obama receberam informes, de seus serviços de inteligência, sobre a situação na Líbia. Será que nenhum daqueles espiões foi capaz de ver que Kaddafi poderia ser inimigo muito mais duro de derrotar que os presidentes da Tunísia ou do Egito? Que mobilizaria apoio popular a seu favor em Trípoli e no oeste da Líbia, regiões em que há oposição histórica contra Benghazi e o leste do país? É grave, se não receberam esses informes. Mas é ainda mais grave, se receberam e não lhes deram qualquer atenção.

A imprensa ocidental – e al-Jazeera não fez melhor serviço – pouco ajudou. As ‘notícias’ iniciais, de que Kaddafi estaria cometendo “genocídio” contra o próprio povo, ou que teria ordenado estupros em massa, sempre foram simples reprodução de boatos jamais confirmados ou dos panfletos de propaganda produzidos em Benghazi. Hoje se sabe que foram decisivos, só, para comprometer de vez a credibilidade de organizações como Anistia Internacional e Human Rights Watch.

Qualquer ambição que a Corte Internacional de Justiça da ONU ainda tivesse, de ser vista pela opinião pública como corte de justiça imparcial, ficou definitivamente comprometida, agora que já se viu que aquela Corte Internacional pôs-se como braço ‘jurídico’ da OTAN, a emitir mandados de prisão contra Kaddafi e seus aliados próximos, no momento em que a agenda de propaganda da OTAN assim lhe ordenou.

Jornalistas em Benghazi atuaram como garotos-propaganda do que, desde o início, sempre foi bando desorganizado de facções ou grupamentos políticos. Em Trípoli, os correspondentes só fizeram pintar caricaturas as mais horrendas de Kaddafi, temerosos de desagradar os editores se oferecessem matérias equilibradas, que os editores considerariam “soft”.

Kaddafi tinha de continuar como sempre o mostrou a imprensa ocidental, ao longo de 40 anos de governo: a personificação ‘do mal’. Os norte-americanos belicistas e pró-guerra de sempre exultaram porque, afinal, caía-lhes no colo, uma “guerra justa”. E puseram-se a comemorar os bombardeios da OTAN, tanto quanto a ‘clarividência’ e o ânimo ‘democrático’ e a ‘pureza’ revolucionária da gangue de Benghazi.

A história está cheia de exemplos em que uma tempestade de milhares de bombas e mísseis, dos quais sempre se louvam os padrões de “acuidade e perfeição” dos tiros, jamais conquistou o apoio de civis-alvos dos tiros. Não aconteceria diferente, é claro, mesmo que cada bomba e cada míssil trouxesse o carimbo-certificado de “auxílio humanitário” e “intenções democráticas”.

Trípoli tem visto manifestações-monstro contra a OTAN. A Líbia tem população de cerca de 6 milhões de habitantes, 4 milhões em Trípoli. Kaddafi visita as defesas da cidade em Jeep aberto. Os comitês de defesa da cidade receberam grande quantidade de fuzis AK-47 e estão treinados para defender-se. Todos esses líbios terão sido forçados por Kaddafi a se mobilizar? Pouco provável.

Essa semana, a imprensa ocidental, excitada, noticiou que alguns prisioneiros estariam denunciando Kaddafi. Ora! Se você fosse prisioneiro, com uma arma apontada para sua cabeça, você juraria fidelidade ao objeto preferencial do ódio de quem o ameaça? Ou murmuraria qualquer coisa que pudesse adiar o tiro fatal? Esse jornalismo faz vergonha a qualquer jornalismo. Quem são os “mercenários negros”? Os que são pagos para matar líbios pró-Kaddafi, ou os líbios do sul, que nasceram negros e lutam hoje nas milícias pró-Kaddafi?

Outro item, na lista de erros de avaliação da OTAN, foi a desqualificação das acusações que lhe foram feitas por líderes africanos, russos, e até por países membros da OTAN (como a Alemanha), de que duas resoluções do Conselho de Segurança da ONU aprovadas em fevereiro e depois no dia 17 de março – para proteger populações civis – estavam sendo abertamente distorcidas a favor dos esforços para matar Kaddafi e instalar no poder na Líbia a gangue do “governo provisório” de Benghazi.

No início de março, Sarkozy, que despencava nas pesquisas como candidato à reeleição, acreditou no que lhe disse o “novo filósofo” Bernard-Henri Lévy, que estivera em Benghazi dia 6 de março, que a Líbia e todo seu petróleo estariam ‘no ponto’ para ser confiscados. Dia 11 de março, Sarkozy, impulsiva e precipitadamente, reconheceu a gangue de Benghazi como legítimo governo da Líbia e pôs-se a esperar, cheio de fé, o colapso de Kaddafi.

Em brilhante e hilária avaliação da derrota da OTAN, Vincent Jauvert do Le Nouvel Observateur noticiou recentemente que os serviços de inteligência franceses garantiram a Sarkozy e ao seu ministro Juppe, do Exterior, que “imediatamente depois do primeiro ataque [aéreo], milhares de soldados de Kaddafi desertarão”. Também previram que os ‘rebeldes’ rapidamente ocupariam Sirte, cidade natal de Kaddafi e o obrigariam a fugir do país. Esse ‘informe de segurança’ chegou a ser ‘noticiado’ em tom triunfante pelas potências da OTAN, que ‘noticiaram’ que Kaddafi já fugira para a Venezuela. Sempre se pode optar decididamente pela Grande Mentira, como instrumento de propaganda. Mas não, por favor, quando a coisa possa ser desmentida, como aconteceu nesse caso, passadas 24 horas!

“Subestimamos Gaddafi” – disse um funcionário francês ao Nouvel Observateur. Kaddafi preparou-se, durante 40 anos, para uma invasão à Líbia. Nunca imaginamos que responderia tão rapidamente. Ninguém jamais esperou, por exemplo, que, para transportar soldados e baterias de mísseis, Gaddafi conseguiria comprar rapidamente centenas de pick-ups Toyota no Niger e no Mali. Foi golpe de mestre: os caminhões e pick-ups são idênticos aos que os rebeldes têm. A OTAN está paralisada. É obrigada a adiar missões. Antes de qualquer tiro, é preciso identificar o alvo, saber se não é caminhão é rebelde ou não. ‘Temos pedido que os rebeldes identifiquem seus veículos, com alguma marca nos capôs’ – disse um soldado, mas nunca sabemos com certeza. O pessoal lá é muito desorganizado...’”

Dado que o colapso não aconteceu como previsto na agenda, o governo francês confirmou, no início de julho, que está enviando, por mar e por paraquedas, mais armas para os grupos ‘rebeldes’. Pode-se assumir que os britânicos também estejam pondo em andamento suas próprias operações clandestinas – embora a captura da unidade SAS/MI6 por fazendeiros líbios não seja bom augúrio.

A coalizão da OTAN está desmanchando-se, embora não haja notícia disso na imprensa dos EUA. O ministro francês da Defesa, Gerard Longuet, em entrevista no final de semana a uma rede francesa de televisão, disse que a ação militar contra a Líbia fracassou. E que é hora de iniciarem-se negociações diplomáticas: “Agora, temos de nos sentar em torno de uma mesa, e negociar. Pararemos de bombardear a Líbia no instante em que os líbios começarem a conversar entre eles e todos os exércitos, dos dois lados, retornarem às bases”.

Longuet sugeriu também que Kaddafi provavelmente permanecerá na Líbia “em outra ala do palácio, com outro título”.

Se as espantosas palavras de Longuet visaram só ao público francês, às vésperas de votação importante na Assembleia Nacional, ou não, mesmo assim é evidente que foram um choque para Cameron e Clinton. Para encobrir a evidência de que há divisão dentro da OTAN, Cameron e Clinton apressaram-se a divulgar ‘declarações’ em que dizem que não há alteração no objetivo de “mudança de regime”, e que a partida de Kaddafi seria condição sine qua non – exatamente como a gangue de Benghazi quer.

Mas Berlusconi, na Itália à qual chegam dezenas de milhares de líbios que fogem da guerra, já começou a dizer que sempre se opôs à “aventura da OTAN na Líbia” desde do início. Talvez não renove, no próximo outono, os acordos vigentes para manter em território italiano bases das potências da OTAN. A Alemanha nunca apoiou entusiasticamente a tal ‘aventura da OTAN’. França e Grã-Bretanha nutriram, sim, esperanças de relações militares bem íntimas, mas essa esperança também logo se desmanchou, pelas razões de sempre – inércia, mútuas desconfianças e simples incompetência.

As desconfianças de Sarkozy sobre Alemanha e Turquia parecem ter sido tão intensas, segundo o Nouvel Observateur, que ele chegou a pedir que os representantes de Turquia e Alemanha fossem afastados da estrutura de comando da OTAN, sob o argumento de que poderiam boicotar a guerra, uma vez que eram bem conhecidas as restrições que Berlin e Ankara faziam a toda a operação na Líbia. Pelo estatuto da OTAN, se o líder supremo da OTAN, um general norte-americano, e o n° 2, um britânico, tiverem de afastar-se, o comando geral da OTAN passa a um general alemão. Sarkozy tentou alterar essa regra do estatuto.

Obama faz jogo duplo, forçado pelas pressões domésticas e por suas prioridades políticas. No início, a corrida rumo ao Conselho de Segurança foi iniciativa, principalmente, da secretária de Estado Hillary Clinton. No plano interno, em meados de fevereiro a popularidade de Obama atingia o fundo do poço. Falava-se de ‘presidente de um só mandato’. Clinton correu a ocupar o que viu como tentador vácuo político, já começando a alimentar esperanças de acelerar o declínio de Obama, o que a beneficiaria como concorrente potencial à presidência em 2012. Obama, lutando já contra o rótulo de ‘pato manco’, autorizou (do Brasil, onde estava) a operação da OTAN, autorização que, hoje, enfrenta acusações de inconstitucionalidade. Imediatamente depois disso, Clinton anunciou que considerava a possibilidade de abandonar a política nacional depois de 2012.

Em termos de equipamento, os EUA têm sido crucialmente importantes. Segundo um general francês ouvido pelo Le Nouvel Observateur,

“33 dos 41 aviões para transporte de tanques (Boeing 767, KC-767) usados na operação da OTAN são norte-americanos, como a maioria dos Sistemas Aéreos Embarcados de Alerta e Controle (Airborne Warning and Control System, AWACS), todos os aviões-robôs tripulados a distância (drones) e 100% dos mísseis anti-radar e kits de orientação a laser para bombas. E não é tudo. Os principais recursos de comando e controle da OTAN, como a banda gigantescamente larga, para transmitir todos os tipos de dados, também são norte-americanos.”

O Diretor de Inteligência Militar, general Didier Bolelli, revelou que mais de 80% dos alvos dos pilotos franceses que operam na Líbia são alvos definidos pelos EUA. “Dão-nos o mínimo indispensável, só para que não percebamos que não somos aliados” – diz um diplomata.

Quem ainda se lembrar da debacle de Suez, em 1956, talvez ainda lembre que Eisenhower ordenou que as forças britânicas, francesas e israelenses simplesmente desistissem da tentativa de derrubar Nasser. Talvez estejamos assistindo a um ‘replay’, menos explícito, daquela demonstração conclusiva da dominação dos EUA, pós-II Guerra Mundial. Dessa vez, o governo Obama está afirmando que qualquer esforço para afirmar o controle europeu sobre o Mediterrâneo dará em nada.

Antes de aposentar-se, o ex-Secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, aproveitou um discurso em Bruxelas, para torcer a faca na ferida: “A mais poderosa aliança militar da história (...) luta em operação contra regime mal armado, em país de população rala – e muitos aliados já estão ficando sem munição, pedindo que os EUA, mais uma vez, façam a diferença”. E arrematou, em tom de ameaça: “Futuros presidentes dos EUA (...) talvez não aceitem que ainda valha a pena o que hoje os EUA obtêm como lucro de seu investimento na OTAN”.

Ainda que Obama apóie sinceramente a troca de regime na Líbia, a temperatura política nos EUA não favorece nenhum tipo de intervenção na Líbia – algo imensamente caro e em oposição ao clima reinante na opinião pública –, que parece ser a única alternativa que hoje resta, depois do fracasso da campanha de bombardeio intenso.

Não há qualquer sinal de que o líder dos Trabalhistas britânicos Ed Miliband, tão ferozmente entusiasmado, hoje, para assumir o comando do trem anti-Murdoch, tenha a clareza política de denunciar Cameron pela farsa na Líbia. O mais provável é que, como Cameron, abrace as “intervenções humanitárias”. Talvez diga, no máximo, que Cameron não bombardeou suficientemente a Líbia.

Em resumo, a esquerda deve festejar que operação prevista para ser simples ação colonialista de detonar e ocupar a Líbia, esteja hoje em cacos; que tenha gerado graves danos à credibilidade da OTAN e à farsa de que a OTAN teria algum respeito pela lei internacional. Essa jaula de canguru que é a Corte Internacional de Justiça [ver http://www.youtube.com/watch?v=y8dv1XHhaMA (NT)], também foi ainda mais desacreditada; outro motivo de festa, para as forças progressistas.

E quanto ao futuro? O ar está denso de especulações sobre um acordo que já teria sido firmado, salpicado de desejos delirantes de norte-americanos e britânicos de que Kaddafi esteja à beira de cair, de que esteja sem combustível, de que a gangue de Benghazi estaria ‘apertando o cerco’ a Trípoli, de que os russos encontrarão um meio para salvar a reputação de todos. Melhor apostar na conclusão segundo a qual, passados quatro meses e meio, a OTAN e os intervencionistas estão sendo derrotados.

Acrescentem-se a isso os problemas pelos quais passa também Rupert Murdoch, e não há dúvidas de que os progressistas do mundo têm muito o que legitimamente comemorar.

Fonte: Carta Maior

terça-feira, 19 de julho de 2011

Os 70 anos do salário mínimo


A política do salário mínimo no Brasil passou por profundas modificações, seja em seu objetivo, seja em seus resultados, desde sua introdução pelo presidente Getúlio Vargas, em 1940, durante o regime autoritário do Estado Novo (1937–1945). Sua história, contudo, registra quatro fases distintas.

A primeira, entre 1940 e 1951, abrange a instituição e consolidação do valor do mínimo para os trabalhadores urbanos desde a fixação, em 10 de maio de 1940, do primeiro valor monetário.

A segunda fase, entre 1952 e 1964, foi marcada pela elevação do poder de compra, como a incorporação de parte dos ganhos de produtividade da economia, ainda sem incluir os trabalhadores do setor rural. Nesse período havia 29 níveis de salário mínimo no país.

A terceira fase diz respeito aos anos de 1964 a 1995, quando a política do mínimo afastou-se e permaneceu distante dos objetivos originalmente definidos em 1940, embora tenha se mantido como um importante mecanismo de intervenção do poder público no mercado de trabalho. Os camponeses e as empregadas domésticas foram incorporados pela política do salário mínimo durante a fase de rebaixamento do seu valor real, apesar de a Constituição Federal de 1988 ter estabelecido compromissos políticos com a recuperação do seu poder de compra.

A quarta fase inicia-se a partir de 1995, com o valor real do salário mínimo sendo elevado gradualmente acima da inflação. No ano de 2009, por exemplo, seu poder aquisitivo foi 74,1% superior ao de 1995, porém se manteve valendo apenas 43,7% do que era em 1940.

Mesmo ainda distante de seus objetivos originais, o mínimo nacional, por ser a remuneração de ingresso no mercado de trabalho organizado e a base da hierarquia salarial de grande parte das empresas, se mantém como referência dos salários dos empregos secundários (não-chefes de família, mulheres e jovens), de empregos com alguma qualificação no início da carreira e, sobretudo, de trabalhadores (chefes de família) sem qualificação. No ano de 2008, por exemplo, 46,1 milhões de brasileiros tinham remuneração mensal referenciada no valor do salário mínimo, o que representa 49,9% da população trabalhadora. Desse universo, 18,5 milhões eram beneficiados da Previdência Social, 14 milhões eram empregados assalariados, 8,5 milhões eram ocupados por conta própria, 4,7 milhões eram trabalhadores domésticos e 276 eram empregadores.

O setor público emprega somente 1% do total dos brasileiros com remuneração referenciada no valor do salário mínimo, o que equivale somente a cerca de 485 mil pessoas, sendo 6,2 mil na administração federal, 120,7 mil na administração estadual e 357,4 mil na administração municipal. Entre os que recebem o valor do mínimo nacional, 52% são homens e 48% são mulheres, enquanto 71% vivem nas cidades e 29% no meio rural. O setor de serviços absorve 44,2% dos ocupados com remuneração de até um salário mínimo, seguido de 29% no setor agrícola, de 13,4% na indústria e de 10,6% no comércio. A região Nordeste concentra a maior parcela dos ocupados recebendo o salário mínimo nacional (58,6%), enquanto a região Sul apresenta a menor parcela (20,7%), seguida do Sudeste (22,5%), Centro Oeste (28,1%) e Norte (39,7%).

Decorrente do movimento de queda no valor do salário mínimo, o Brasil se transformou, ao contrário de outras economias que avançaram no seu processo de industrialização, num país de baixos salários. A permanência de um imenso contingente de trabalhadores ganhando tão pouco não pode ser atribuída ao fator econômico, já que entre 1940 e 2009 a renda per capita multiplicou-se por 6,5 vezes, enquanto o valor do mínimo não chega nem à metade do que era no momento de sua criação.

Se a atual Constituição Federal fosse observada, o valor do salário mínimo deveria ser capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que preservem seu poder aquisitivo. Não há dúvidas, porém, de que tais normas ainda não são cumpridas. O mínimo é suficiente para atender ao consumo de 13 alimentos básicos para uma pessoa, mas não para a alimentação de uma família e para as demais despesas que a Constituição define. Em São Paulo, por exemplo, o valor do salário mínimo comprava duas cestas básicas com 13 alimentos, enquanto em 1995 podia adquirir somente uma. Apesar deste avanço em relação à cesta básica, percebe-se que o salário mínimo necessário para atender todas as necessidades básicas, para além da alimentação individual, alcançou a soma de R$1.995,91 em dezembro de 2009. Ou seja, 4,3 vezes o salário mínimo vigente naquele mês. Como o Brasil pagou salário mínimo com maior valor, mesmo tendo a economia nacional capacidade de produzir e empregar mão de obra bem menor que a atual, entende-se que a política de recuperação do valor real do mínimo não pode parar. Se o Brasil almeja ser um país desenvolvido precisa considerar o crescimento contínuo do salário mínimo, conforme se observa na Dinamarca, cujo mínimo anual equivale a mais de 2/3 da renda nacional per capita.

Por ter como objetivo contrabalançar as tendências inerentes ao funcionamento do mercado de trabalho de gerar salários decrescentes e emprego precário, o que acentua a desigualdade da renda, a atual política de salário mínimo precisa ser mantida. Seguindo a tendência verificada desde 2007, quando foi criada a política de reajuste real do mínimo, serão necessários 27 anos para que o atual valor do salário mínimo passe a cumprir o preceito constitucional, ou 15 anos se a meta for o poder aquisitivo do primeiro valor do salário mínimo de 40 anos atrás.

* texto de Márcio Pochmann - presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Fonte: blog luisnassif,Por Sonia Maria Aranha, Do Vermelho

segunda-feira, 18 de julho de 2011

As aspirações da Classe C

Gosto de olhar as capas das revistas populares no supermercado nestes tempos de corrida do ouro da classe C.

A classe C é uma versão sem neve e de biquíni do Yukon do tio Patinhas quando jovem pato. Lembro do futuro milionário disneyano enfrentando a nevasca para obter suas primeiras patacas. Era preciso conquistar aquele território com a mesma sofreguidão com que se busca, agora, fincar a bandeira do consumo no seio dos emergentes brasileiros.

Em termos jornalísticos, é sempre aquela concepção de não oferecer o biscoito fino para a massa. É preciso dar o que a classe C quer ler ou o que se convencionou a pensar que ela quer ler. Daí as políticas de didatismo nas redações, com o objetivo de deixar o texto mastigado para o leitor e tornar estanque a informação dada ali. Como se não fosse interessante que, ao não compreender algo, ele fosse beber em outras fontes. Hoje, com a internet, é facílimo, está ao alcance da vista de quase todo mundo.

Outro aspecto é seguir ao pé da letra o que dizem as pesquisas na hora de confeccionar uma revista popular. Tomemos como exemplo a pesquisa feita por uma grande editora sobre “a mulher da classe C” ou “nova classe média”. Lá, ficamos sabendo que: a mulher da classe C vai consumir cada vez mais artigos de decoração e vai investir na reforma de casa; que ela gasta muito com beleza, sobretudo o cabelo; que está preocupada com a alimentação; e que quer ascender social e profissionalmente. É com base nestes números que a editora oferece o produto, a revista ao mercado de anunciantes. Normal.

Mas no que se transformam, para o leitor, estes dados? Preocupação com alimentação? Dietas amalucadas. A principal chamada de capa destas revistas é alguma coisa esdrúxula como: “perdi 30 kg com fibras naturais”, “sequei 22 quilos com cápsulas de centelha asiática”, “emagreci 27 kg com florais de Bach e colágeno”, “fiquei magra com a dieta da aveia” ou “perdi 20 quilos só comendo linhaça”. Pelo amor de Deus, quem é que vai passar o dia comendo linhaça? Estão confundindo a classe C com passarinho, só pode.

Quer reformar a casa? Nada de dicas de decoração baratas e de bom gosto. O objetivo é ensinar como tomar empréstimo e comprar móveis em parcelas. Ou então alguma coisa “criativa” que ninguém vai fazer, tipo uma parede toda de filtros de café usados. Juro que li isso. A parte da ascensão profissional vem em matérias como “fiquei famosa vendendo bombons de chocolate feitos em casa” ou “lucro 2500 reais por mês com meus doces”.

Falar das possibilidades de voltar a estudar, de ter uma carreira ou se especializar para ser promovido no trabalho? Nada. Dicas culturais, de leitura, filmes, música, então, nem pensar.

Cada vez que vejo pesquisas dizendo que a mídia impressa está em baixa penso nestas revistas. A internet oferece grátis à classe C um cardápio ainda pobre, mas bem mais farto. Será que a nova classe média quer realmente ler estas revistas? A vendagem delas é razoável, mas nada impressionante. São todas inspiradas nas revistas populares inglesas, cuja campeã é a “Take a Break”. A fórmula é a mesma de uma “Sou + Eu”: dietas, histórias reais de sucesso ou escabrosas e distribuição de prêmios. Além deste tipo de abordagem, também fazem sucesso as publicações de fofocas de celebridades ou sobre programas de TV,aqui, as novelas.

Sei que deve ser utopia, mas gostaria de ver publicações para a classe C que ensinassem as pessoas a se alimentar melhor, que mostrassem como a obesidade anda perigosa no Brasil porque se come mal. Atacando, inclusive, refrigerantes, redes de fast food e guloseimas, sem se preocupar em perder anunciantes. Que priorizassem não as dietas, mas a educação alimentar e a importância de fazer exercícios e de levar uma vida saudável. Gostaria de ver reportagens ensinando as mulheres da classe C a se sentirem bem com seu próprio cabelo, muitas vezes cacheado, em vez de simplesmente copiarem as famosas. Que mostrassem como é possível se vestir bem gastando pouco, sem se importar com marcas.

Gostaria de ler reportagens nas revistas para a classe C alertando os pais para que vejam menos televisão e convivam mais com os filhos. Que falassem da necessidade de tirar as crianças do computador e de levá-las para passear ao ar livre. Que tivessem dicas de livros, notícias sobre o mundo, ciências, artes –é possível transformar tudo isso em informação acessível e não apenas para conhecedores, como se a cultura fosse patrimônio das classes A e B. Gostaria, enfim, de ver revistas populares que fossem feitas para ler de verdade, e que fizessem refletir. Mas a quem interessa que a classe C tenha suas próprias idéias?

Fonte: Nassif, Carta Capital, Cynara Menezes 15 de julho de 2011

domingo, 17 de julho de 2011

As mudanças no fluxo migratório brasileiro

Estudo divulgado nesta sexta-feira, 15 de julho, pelo IBGE sobre deslocamento da população brasileira indica a diminuição da migração interna e a tendência de permanência ou de retorno de moradores a seus Estados de origem.

Em vez da corrida para o Sudeste que marcou as décadas de 1960 a 1980, a tendência é de deslocamentos entre municípios de um mesmo Estado e queda acentuada nas migrações entre regiões.

A última década aponta ainda para mudanças nas correntes migratórias, em que Rio de Janeiro e São Paulo deixam de ser "importadores" e passam a "exportadores" de moradores, enquanto o Espírito Santo desponta como foco de atração de novos habitantes.

Os principais fatores para a diminuição no número de migrantes são a saturação das metrópoles e a melhor distribuição da oferta de emprego. Os dados apontam a tendência de deslocamento para cidades de médio porte. "A principal motivação para a migração é a busca por trabalho. Qualidade de vida e menos violência podem ser complementares.

Dos anos 80 para cá, houve desconcentração da atividade econômica. O Nordeste passou a segurar população e atrair a migração de retorno. Pode-se dizer que o País hoje se desenvolve em quase todas as áreas. Com essa mudança no modelo de desenvolvimento, os imigrantes tendem a diminuir, resume o pesquisador do IBGE Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira, um dos autores do artigo "O panorama dos deslocamentos populacionais no Brasil: Pnads e Censos demográficos."

A publicação "Deslocamentos populacionais no Brasil" tem como base o Censo 2000 e as Pnads (Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios) de 2004 e 2009. O IBGE pergunta aos entrevistados onde moravam cinco anos antes da data da pesquisa. Também questiona o Estado de nascimento do entrevistado.

O Censo 2000 apontou a existência de 5,1 milhões de migrantes no País. Estimativas com base na Pnad 2004 indicam 4,63 milhões de migrantes naquele ano. Em 2009, o número caiu para 3,24 milhões.

O IBGE destaca a queda também no deslocamento da população entre as regiões do País. Em 2000, 3,36 milhões de pessoas viviam em regiões diferentes daquela de origem. Em 2004, esse número caiu para 2,86 milhões e chegou a 2,05 milhões em 2009. "Houve redução nessa migração em que a pessoa percorre muitos mil quilômetros movida pela oferta de trabalho. A tendência é continuar a diminuir", diz Antônio Tadeu.

Na mudança de perfil dos Estados, Rio de Janeiro e São Paulo viveram uma inversão no saldo de migrantes. Enquanto o Censo de 2000 apontava que São Paulo tinha 340 mil imigrantes (moradores vindos de fora do Estado) a mais que emigrantes (paulistas que viviam fora de São Paulo), a Pnad de 2004 apontou 155 mil emigrantes mais que imigrantes. A Pnad de 2009 ainda mostra a tendência de saída dos moradores, porém em menor intensidade: havia 53 mil emigrantes a mais que imigrantes em São Paulo. Os números do Censo 2010, mais precisos que da Pnad, indicarão se o Estado continuou a exportar mais do que importar moradores.

Já Espírito Santo vai no sentido contrário. O fortalecimento da industrialização na área de minério e siderurgia nos anos 80 foi um fator decisivo para a atração de população, depois do esvaziamento da população nos anos de 1950 e 1960. A tendência é de que o Estado se consolide como atrativo de novos moradores nos próximos anos, graças à expansão do setor de petróleo.

O Espírito Santo foi o único Estado que não teve queda no número absoluto de imigrantes entre 2004 e 2009. Além disso, mostrou forte movimento de permanência dos moradores, redução à metade do número de emigrantes, de 108 mil em 2004 para 54 mil em 2009.

Outros Estados com altos índices de atração de migrantes, segundo a Pnad 2009, são Goiás, Amazonas, Amapá e Santa Catarina. O Censo 2010 trará números mais precisos que poderão confirmar ou não esta tendência. Entre os Estados classificados como "expulsadores" de população, embora em intensidade menor que nos anos 60 e 70, estão Bahia e Alagoas.

Fonte; blog do Nassif - Luciana Nunes Leal, de O Estado de S. Paulo

sábado, 16 de julho de 2011

Não é a Grécia, não é a Europa. É o capitalismo, estúpido!


consultorias, os economistas, os bancos de investimentos, os presidentes dos bancos centrais, os ministros de fazenda, os governantes não fazem outra coisa que falar da “crise grega”. Ante tal vozerio mal intencionado, é oportuno parafrasear um exemplo da campanha de Bill Clinton para dizer e insistir que a crise é do capitalismo, não da Grécia. Que este país é um dos elos mais frágeis da cadeia imperialista e que é por causa dele que ali ocorre a eclosão das contradições, ora corroendo-o irremediavelmente.

O alarme dos capitalistas, sem dúvida justificado, é que a queda da Grécia pode arrastar outros países como Espanha, Irlanda, Portugal e comprometer seriamente a estabilidade econômica e política das principais potências da União Europeia.Segundo informa a imprensa financeira internacional, representante dos interesses da “comunidade de negócios” (leia-se: os gigantescos oligopólios que controlam a economia mundial), a resistência popular às brutais medidas de austeridade propostas pelo ex-presidente da Internacional Socialista e atual primeiro ministro grego, Georgios Andreas Papandreu, ameaçam jogar pela janela todos os esforços até agora realizados para amenizar a crise.

A aflição se espalha no patronato frente às dificuldades com que tropeça Atenas para impor as brutais políticas exigidas por seus supostos salvadores. Com toda razão e justiça, os trabalhadores não querem ser responsabilizados por uma crise provocada pelos jogadores das finanças, e a ameaça de uma explosão social, que poderia reverberar por toda a Europa, tem paralisado as lideranças governamentais grega e europeia. A injeção de fundos outorgada pelo Banco Central Europeu, o FMI e os principais países da zona do euro não têm feito nada a não ser agravar a crise e fomentar os movimentos especulativos do capital financeiro.

O resultado mais visível tem sido acrescentar a exposição dos bancos europeus ao que já aparece como uma inevitável moratória grega. São conhecidas as receitas do FMI, do BM e do Banco Central Europeu: redução de salários e aposentadorias, demissões massivas de funcionários públicos, privatização de empresas estatais e desregulamentação dos mercados para atrair investimentos.

Elas têm surtido os mesmos efeitos sofridos por vários países da América Latina, notoriamente a Argentina. Pareceria que o curso dos acontecimentos na Grécia se encaminha para uma estrondosa queda como a que os argentinos conheceram em dezembro de 2001. Deixando de lado algumas óbvias diferenças, há demasiadas semelhanças que abonam este prognóstico. O projeto econômico é o mesmo, o neoliberalismo e suas políticas de choque; os atores principais são os mesmos, o FMI e os cães de guarda do imperialismo em escala global; os ganhadores são os mesmos, o capital concentrado e especialmente a banca e as finanças; os perdedores são também os mesmos, os assalariados, os trabalhadores e os setores populares; e a resistência social a essas políticas tem a mesma força que soube ter na Argentina.

É difícil imaginar um soft landing, uma aterrissagem suave, desta crise. O previsível e mais provável é precisamente o contrário, tal como ocorreu no país sul-americano. Claro que, diferentemente da crise argentina, a grega está destinada a ter um impacto global incomparavelmente maior. Por isso o mundo dos negócios contempla com horror o possível “contágio” da crise e seus devastadores efeitos entre os países do capitalismo metropolitano. Estima-se que a dívida pública grega alcança os US$ 486 bilhões e que representa uns 165% do PIB do país. Mas tal coisa ocorre numa região, a “eurozona”, onde o endividamento já ascende os 120% do PIB dos países, com casos como o da Alemanha, (com cerca de 143%), França (188%) e Grã Bretanha (398%).

Não deve ser esquecido, além disso, que a dívida pública dos Estados Unidos já alcança 100% de seu PIB. Em uma palavra: o coração do capitalismo global está gravemente adoecido. Por contraposição, a dívida pública chinesa em relação ao seu gigantesco PIB é de apenas 7%, a da Coreia do Sul 25% e a do Vietnã 34%.
Há um momento em que a economia, que sempre é política, se transforma em matemática e os números cantam. E a melodia que entoam diz que aqueles países estão na beira de um abismo e que sua situação é insustentável. A dívida grega – exitosamente dissimulada em sua gestação e desenvolvida graças ao conchavo criminoso de interesses entre o governo conservador grego de Kostas Karamanlis e o banco de investimento favorito da Casa Branca, Goldman Sachs – foi financiada por muitos bancos, principalmente na Alemanha e, em menor medida, França.

Agora são credores de papéis de uma dívida que a qualificadora de riscos Standard & Poor’s (S&P) classificou com a pior nota do mundo, CCC, isto é, tem crédito sobre um devedor insolvente e que não tem condições de pagar. Em igual ou pior posição se encontra o ultraneoliberal Banco Central Europeu, razão pela qual um ‘calote’ grego teria conseqüências cataclísmicas para este verdadeiro ministro das finanças da União Europeia, situado à margem de qualquer controle democrático.

As perdas que originaria a bancarrota grega não só comprometeriam os bancos expostos, mas também os dos países com problemas, como Espanha, Irlanda, Itália e Portugal, que teriam de suportar juros mais elevados que os atuais para equilibrar suas deterioradas finanças.

Não é preciso muito esforço para imaginar o que sucederia se os gregos suspendessem unilateralmente os pagamentos, cujo primeiro impacto se daria na linha de flutuação da nave européia, a Alemanha. Os problemas da crise grega (e europeia) são de origem estrutural. Não se devem a erros ou a percalços inesperados senão que expressam a classe de resultados previsíveis e esperados quando a especulação e o parasitismo rentista assumem o posto de comando do processo de acumulação de capital.

Por isso, no fragor da Grande Depressão dos anos 30, John Maynard Keynes recomendava, em sua célebre Teoria Geral da Ocupação, Juros e o Dinheiro, praticar a eutanásia do rentista como condição indispensável para garantir o crescimento econômico e reduzir as flutuações cíclicas endêmicas no capitalismo.

Seu conselho não foi considerado e hoje são aqueles setores os que se apropriaram da hegemonia capitalista, com as consequências por todos conhecidas. Comentando sobre esta crise, Istvan Meszaros dizia há poucos dias que “uma crise estrutural requer soluções estruturais”, algo que quem está administrando a crise rechaça terminantemente. Pretendem curar um doente em estado gravíssimo com aspirinas.

É o capitalismo que está em crise e para sair dela torna-se imprescindível sair do capitalismo, superar o quanto antes um sistema perverso que conduz a humanidade ao holocausto em meio a enormes sofrimentos e uma depredação meio-ambiental sem precedentes. Por isso, a mal chamada “crise grega” não é assim; é, em lugar disso, o sintoma mais agudo da crise geral do capitalismo, essa que os meios de comunicação da burguesia e do imperialismo asseguram há três anos que já está em vias de superação, apesar de as coisas estarem cada vez pior.

O povo grego, com sua firme resistência, demonstra estar disposto a acabar com um sistema que já é inviável não no longo, mas no médio prazo. Há que acompanhá-lo em sua luta e organizar a solidariedade internacional para tratar de evitar a feroz repressão de que é objeto, método predileto do capital para solucionar os problemas que cria sua exorbitante voracidade. Talvez a Grécia – que há mais de 2.500 anos inventou a filosofia, a democracia, o teatro, a tragédia e tantas outras coisas – possa voltar-se sobre seus foros e inventar a revolução anticapitalista do século 21. A humanidade lhe estaria profundamente agradecida.

Atilio Borón é doutor em Ciência Política por Harvard e professor da Universidade de Buenos Aires.

Fonte:http://correiodobrasil.com.br

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Classe média terá cota em hospitais públicos?

Decreto assinado pelo governador Geraldo Alckmin garante 25% das vagas de hospitais públicos para planos de saúde.

Vamos recapitular.

Tempos atrás, por uma diferença de um voto, o senado brasileiro aboliu a CPMF que assegurava recursos substanciais para a saúde pública, uma bolada estimada em perto de R$ 20 bilhões.

O fim da CPMF beneficiou aquela fatia de brasileiros que, com residencia na classe média para cima, tem conta em banco e deixaram de entregar uma parcela minúscula de seus rendimentos — 0,1% sobre o valor de cada cheque ! – para a saúde pública.

Agora, já livres desta pequena despesa, esta mesma parcela da sociedade, que forma a clientela principal da saúde privada, irá pressionar,por 25% das vagas nos hospitais públicos de São Paulo.

Que nome tem isso? Não sei.

As universidades possuem cotas para estudantes da rede pública e, em algumas delas, há cotas para pessoas negras. Pode-se discutir o caráter democrático dessas iniciativas que tem como finalidade reparar injustiças históricas cometidas com fatias menos favorecidas da população.

Eu pergunto se é razoável aplicar o mesmo critério de preferencia para beneficiar aqueles brasileiros que tem planos privados de saude e que, a partir de agora, terão maior facilidade para conseguir vagas nos hospitais públicos.

Vamos combinar que o sujeito que tem plano de saúde é, basicamente, uma pessoa de classe média que pretende escapar das mazelas da rede pública. Não há nada de errado em pertencer a classe média e muito menos em possuir um plano de saúde privada.

É uma atitude compreensível e até necessária, num país onde a medicina oferecida pelo Estado é formada por raras ilhas de primeira qualidade cercadas por muitos arquipélagos de problemas estruturais e grande carencia.

Mas está na cara que vamos criar pacientes de segunda classe. Embora as autoridades possam garantir que as oportunidades serão iguais para todos, nós sabemos que é difícil acreditar que será assim.

Basta fazer uma comparação com situações semelhantes. Quem vai a fila de bancos ou de supermercados sabe como isso funciona. Aqueles que tem direitos especiais — não discuto se justos ou não — conseguem passar na frente e vão mais cedo para casa. A tal ponto que existem aposentados que já chegam ao banco com sacolas de pagamentos da família inteira para fazer. Ou mães que saem de casa com um bebê de colo apenas para passar na frente de todo mundo.

Para começar, as regras que irão definir o atendimento nos hospitais públicos são mais simples para quem vier do sistema privado. Basta a aprovação do médico conveniado. Já o paciente do serviço público terá de cumprir aquele longo e demorado ritual de quem procura tratar-se pelo SUS.
Do ponto de vista da direção dos hospitais, é óbvio que haverá um interesse maior em receber pacientes dos planos de saúde. O estímulo é economico. Isso porque o Estado irá cobrar despesas geradas por estes pacientes dos planos de saúde. Já o paciente comum receberá o tratamento de quem não tem nada a dar em troca.

Não é razoável imaginar que os dois pacientes serão tratados de forma igual.

Há uma questão política de fundo. Uma coisa é facilitar a vida dos mais velhos, nos supermercados. Ou mesmo de negros e pobres, nas universidades. Outra coisa é facilitar a vida dos pacientes que tem planos de saúde.

Vamos combinar que o modelo de saúde brasileiro faliu. Faltam recursos para um serviço público decente, acessível a todos. Já os sistemas privados foram construidos a partir de um modelo de negócio basicamente oportunista, que consiste em vender planos baratos para quem não necessita de atendimento e planos caríssimos (e inviáveis) para os cidadãos que já chegaram àquela idade em que é mais fácil ir ao médico do que ao restaurante. Estes acabam expelidos do sistema.

Na situação atual, a proposta do governo de São Paulo irá auxiliar os planos de saude a atender sua clientela. Como o quadro não é de vagas em excesso, a contrapartida é que haverá uma diminuição no atendimento de quem necessita do atendimento público.

A discussão real é outra.

Seria preciso reforçar a saúde pública, para que ela se tornasse capaz de atender uma parcela maior de brasileiros, inclusive famílias de classe média. Não se pode fazer isso sem um reforço nas verbas destinadas a saude pública. Este é o debate.

terça-feira, 12 de julho de 2011

UE faz reunião de emergência em meio a temor sobre crise na Itália


Os mais altos funcionários da União Europeia para o setor de Finanças participam nesta segunda-feira de uma reunião de emergência para discutir um pacote de ajuda financeira à Grécia, em meio aos temores de que a Itália pode ser a próxima vítima da contaminação da crise na zona do euro.

O principal índice da Bolsa de Valores de Milão caiu 3,5% na sexta-feira e as ações do maior banco do país, Unicredit Spa, caíram 7,9% por conta dos temores de que o governo italiano, enfraquecido por escândalos políticos, não consiga implementar um necessário plano de cortes de gastos para conter seu déficit público.

A reunião desta segunda-feira foi convocada no fim de semana pelo presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy. Um porta-voz de Rompuy afirmou que o encontro não é "uma reunião de crise, mas de coordenação" e negou que a situação da Itália estará na agenda.

Mas analistas e funcionários envolvidos na reunião consideram que será inevitável que o tema seja discutido. A Itália é a terceira maior economia da zona do euro, e problemas financeiros no país teriam uma consequência muito maior para os demais países da região do que a crise grega.

Além de Van Rompuy, participam da reunião em Bruxelas o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, o chefe dos ministros das Finanças da zona do euro, Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e o comissário da União Europeia para Assuntos Econômicos, Olli Rehn.

O encontro de emergência será seguido de uma reunião já programada entre os ministros das Finanças dos países da zona do euro.

PACOTE DE AJUDA

A pauta oficial da reunião é a discussão sobre o segundo pacote de ajuda financeira à Grécia. O país já recebeu uma ajuda de 110 bilhões de euros (cerca de R$ 245 bilhões), acertada no ano passado, mas necessita de um novo aporte financeiro para conseguir cumprir com os pagamentos de sua dívida.

Segundo reportagem publicada nesta segunda-feira pelo diário britânico "Financial Times", líderes europeus já admitem que o novo pacote de ajuda à Grécia inclua uma moratória no pagamento de parte dos títulos da dívida grega, com o objetivo de levar a dívida total do país a níveis sustentáveis.

Na semana passada, a agência de classificação de risco Standard & Poor's havia advertido que a proposta original para uma reestruturação voluntária da dívida grega seria considerada na prática como uma moratória, provocando o rebaixamento da nota dada aos títulos do país.

O novo pacote de ajuda à Grécia vem sendo negociado há várias semanas, mas até agora não houve um consenso entre os países da zona do euro e representantes dos credores da Grécia sobre as condições para a sua aprovação.

Autoridades europeias temem que um atraso grande na aprovação do plano possa prejudicar a situação de outros países da região que também enfrentam dificuldades financeiras, como Portugal, Espanha e Irlanda, além da Itália, cuja relação entre a dívida e PIB é menor apenas que a da Grécia entre os países da zona do euro.

Fonte: BBC Brasil

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Bacia de Santos se torna segunda maior produtora de petróleo do país


A bacia de Santos se tornou a segunda maior produtora de petróleo no Brasil, atrás apenas da bacia de Campos, ao superar em maio a produção das bacias de Solimões e do Espírito Santo.

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a bacia de Santos, onde está localizada a principal região pré-sal do país, passou de 86 mil barris de óleo equivalente por dia em abril para 130 mil boe/dia em maio.

A produção em todo o pré-sal brasileiro em maio,que além de Santos inclui blocos na bacia de Campos e Espírito Santo, subiu 38 por cento em comparação com abril. Foram produzidos 128,1 mil barris por dia de petróleo e 3,8 milhões de metros cúbicos de gás natural, totalizando 152,2 mil boe/dia.

A produção brasileira de petróleo como um todo no entanto caiu 0,2 por cento em relação a maio de 2010, informou a ANP, para 2,072 milhões de barris/dia. Já a produção de gás cresceu 7,4 por cento na comparação anual, para 66,7 milhões de metros cúbicos diários.

Fonte: Reuters

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Japoneses descobriram importantes depósitos de "terras raras" no Pacífico


Pesquisadores japoneses dizem ter encontrado vastos depósitos de minerais de terras raras, utilizados em equipamentos de alta tecnologia, no solo do Oceano Pacífico.

Geólogos estimam que existam atualmente 110 bilhões de toneladas de elementos raros no fundo do Pacífico.

Os pesquisadores japoneses estimam ter encontrado entre 80 e 100 toneladas de minerais raros no leito oceânico a profundidades de entre 3,5 mil e 6 mil metros abaixo da superfície.

Atualmente, a China responde por 97% da produção de 17 metais provenientes de terras raras, muitas vezes chamados de ‘‘ouro do século 21’’, por serem raros e valiosos.

O quase monopólio de produção exercido pela China levou o país a restringir o fornecimento dos metais raros no ano passado, durante uma disputa territorial com o Japão.

Analistas acreditam que se a prospecção do local descoberto pelos japoneses se mostrar viável, o domínio da China no setor poderá ser ameaçado.

Os minerais são usados em iPods, TVs de tela plana, carros elétricos, mísseis, óculos de visão noturna, turbinas e imãs supercondutores, por exemplo.

Além da China, as reservas são encontradas também na Rússia, em outras ex-repúblicas soviéticas, nos Estados Unidos, na Austrália e na Índia.

Descoberta

A descoberta foi divulgada pela publicação científica britânica Nature Geoscience, que relatou que a equipe de cientistas comanda por Yasuhiro Kato, professor de ciências da terra da Universidade de Tóquio, encontrou os minerais em 78 locais diferentes na lama oceânica do Pacífico.

‘‘Os depósitos contêm uma uma forte concentração de terras raras. Apenas um quilômetro quadrado dos depósitos será capaz de atender a um quinto do consumo mundial atual’’, afirmou o professor Yasuhiro Kato.

A descoberta foi feita em águas internacionais, em uma área próxima ao estado americano do Havaí e em outra perto da Polinésia Francesa, segundo o relatório formulado pelos exploradores japoneses.

Ainda não se sabe, no entanto, se será viável tecnologicamente realizar a prospecção em uma área tão profunda e, caso seja, se será possível explorar comercialmente os metais trazidos à tona.

Os depósitos foram se acumulando no solo oceânico ao longo de centenas de milhões de anos.

Dificuldades

O número de companhias que vêm solicitando licenças para realizar prospecções no solo do Pacífico vem crescendo rapidamente.

Entre as dificuldades de realizar a exploração dos metais raros está no fato de que eles são minúsculos e estão espalhados em uma vasta área, o que faz com que muitos dos locais que contam com terras raras não sejam viáveis para a exploração comercial ou estejam sujeitos a restrições ambientais.

No entanto, a perspectiva de prospecção nas águas oceânicas profundas – e os estragos que isso poderá representar para os ecossistemas marinhos – preocupam ambientalistas.

Entenda o que são e para que servem os minerais de terras raras

Todos os equipamentos eletrônicos da atual tecnologia utilizam essa materia prima, celulares, computadores, televisores, alto-falantes, propulsores, etc... Dependem dos elementos chamados de Terras Raras: Neodímio, Lantânio, Praseodímio, Cério, Gadolíneo e Samário.

Conheça algumas de suas aplicações:

Neodímio: Minério altamente magnético, utilizado na fabricação de alto-falantes, permite que esses sejam menores e mais potentes, possibilita ainda que os HDs sejam menores e mais rápidos.

Lantânio: Minério usado na fabricação de lentes de câmeras e telescópios.

Praseodímio: Minério usado para criar metais de alta resistência utilizados por exemplo em motores de aviões.

Cério: Minério utilizado em conversores catalíticos. Um Conversor Catalítico é um dispositivo usado para reduzir a toxicidade das emissões dos gases de escape de um motor de combustão interna.

Gadolíneo: Usado em equipamentos de Raio-X e MRI ("Magnetic Resonance Imaging").

Samário: Semelhante a outros metais de terras raras, é usado em eletrodos de carbono para iluminação de estúdios e projeção de filmes. A liga de samário e cobalto é usada para produzir ímãs com resistência à desmagnetização maior do que qualquer outro material.Para dopar cristais de fluoreto de cálcio usados em lasers.O óxido é usado na produção de vidros absorventes de infravermelho, como absorvedor de nêutrons em reatores nucleares e como catalisador na desidratação e desidrogenação de álcool etílico.

A China responde por 97% da produção de terras raras, 17 metais, muitas vezes chamados também de "ouro do século 21", por serem raros e valiosos pela grande utilidade que têm.

Baiyun 'Ebo na Mongólia Central é a maior mina de Terras Raras do mundo. Os EUA já foram um dos grandes produtores de Terras Raras, mas várias de suas minas foram fechadas. A China tem ainda ao seu favor a mão-de-obra barata, poucas restrições ambientais.

Os elementos de Terras Raras são de difícil extração, tóxicos e muitas vezes radioativos. A extração desses minérios é realizada em geral a céu aberto, com isso aumentando a poluição. Para produzir 1 Ton. de Terras Raras perde-se 300m² de solo arável.

Em 2010, a China exportou 39 mil toneladas de terras raras, mas o governo chinês já anunciou que pretende limitar o total a ser exportado este ano para pouco mais de 30 mil toneladas. Muitos países possuem reservas de Terras Raras, porém não exploram seu potêncial. O Brasil é um pequeno produtor de terras raras, com o mercado praticamente dominado pela China.

Fonte: BBC Brasil / GeoPolítica Brasil

O que é a Geopolítica?


Muitos falam em geopolítica, porém poucos conseguem dar a definição exata desta ciência. Entre as muitas explicações a respeito da geopolítica, alguns tentam usar a seguinte explicação: Geo = Geografia (ciência que estuda o espaço físico e suas relações com as sociedades) e Política (ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados), porém a ciência geopolítica é definida como a ciência que estuda as relações entre a política de poder dos Estados e suas relações com o mundo.

A geopolítica esta amparada em pilares que definem as relações de poder do Estado interna e externamente. Classifico em minha concepção os seguintes pilares, os quais mais a frente iremos analisar em artigos futuros: coesão política interna, poderio militar, política econômica, tecnologia, IDH, recursos naturais e energéticos. Estes são apenas alguns dos pilares, sendo base de diversas ramificações pelas quais se obtém a capacidade de impor sua política de poder, alvo principal do estudo geopolítico, no cenário internacional através de sua política externa.

Voltando na história da humanidade, podemos observar em diversas épocas desde a mais remota antiguidade demonstrações do pensamento geopolítico, porém de forma muito limitada, sendo este raciocínio limitado pelas distantes fronteiras e o conhecimento limitado. Contudo, no século XIX houve o princípio da normatização metodológica desta ciência, quando o geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904) formulou conceitos fundamentais para abordagem real da geopolítica internacional em seu livro intitulado “ANTROPOGEOGRAFIA – Fundamentos da aplicação da geografia à história”. Defendendo que a função do Estado é expandir e defender o território nacional.

Neste primórdio conceitual da geopolítica, Ratzel expôs o conceito de mobilidade das fronteiras nacionais, sendo estas diretamente relacionadas à capacidade do Estado de propiciar sua expansão ou manutenção através de seu expoente político-militar. Tendo como fonte de seus estudos o cenário que se desenvolvia na Europa à época.

Além de Ratzel, podemos citar como um dos precursores da geopolítica atual o almirante americano Maham, que elaborou em sua tese a respeito dos EUA uma visão estratégica com base na posição geográfica dos EUA e traçando uma visão geopolítica da importância de se estabelecer acordos com o México e Canadá, assim obtendo certa coesão política regional interestatal. Segundo sua análise os EUA eram uma “enorme ilha” cercada pelos oceanos Atlântico e Pacífico, o que seria um importante fator que limitaria a possibilidade de invasão de seu território apenas através dos seus vizinhos ao sul e ao norte. Mahan ainda defende a idéia de que as potências marítimas tendem a ser dominantes, pois são capazes de manter o controle de áreas ao redor do continente euroasiático, então o “núcleo sócio-econômico-político” do mundo.

De fato, a Eurásia pode ser definida como uma enorme massa territorial contínua cuja segurança depende, principalmente da ação de forças militares basicamente terrestre, ou seja, as nações euroasiáticas teriam uma mentalidade estratégica voltada para exércitos, enquanto os países em seu entorno optam pelo poder naval. Nos dias atuais podemos definir a escolha pelo poder aeronaval por parte das nações periféricas à eurásia, representado principalmente pelo poder amparado pelos porta-aviões. Assim podemos definir dois tipos de nações: as nações “baleias” versus os países “ursos”.

Nesta viagem em busca dos primórdios da ciência geopolítica citamos ainda outros nomes importantes, os quais serão posteriormente tema de postagens aqui no GeoPolítica Brasil em continuidade deste estudo que vos apresento, como Mackinder, Kjellen entre outros.

Em suma, a geopolítica tem como foco principal o estudo das relações de poder e a cena que se desenvolve em decorrência destas no cenário internacional e militar, onde posso afirmar que esta ciência esta intimamente relacionada com os conflitos e guerras, sendo estes uma expressão decorrente da política de poder entre Estados e suas ambições. Havendo ainda uma forte relação com as visões de Ratzel e Mackinder no que cerne a relação entre o poder político e a equação conflitualidade x guerra.

A geopolítica em resumo, é a ciência que surge da necessidade de se explicar o surgimento, ascensão e queda das potências políticas e suas influências no plano político-econômico-estratégico mundial. Determinando métodos de estudos e formas de traçar futuros plausíveis, através da análise histórica e do estudo de tendências futuras de forma a formular sugestões de processos que conduzam ao futuro desejado, além de analisar o cerne das decisões políticas e estratégicas adotadas pelos Estados.

Neste artigo espero ter atingido meu objetivo quando nesta madrugada me debrucei sobre os livros e procurei trazer até o amigo leitor uma síntese do que é e do que trata-se quando falamos em geopolítica. Em breve trarei uma continuidade desta breve abordagem, de forma a lhe proporcionar um conteúdo mais profundo nesta ciência tão importante e pouco difundida em nosso país.


texto de Angelo D. Nicolaci - Editor do GeoPolítica Brasil, cursa relações internacionais pela UCAM, pesquisador sobre geopolítica e assuntos geoestratégicos.

Fonte: GeoPolitica

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ricos pagam menos impostos em relação aos mais pobres

Há alguns dias, uma pesquisa veio mostrar o que todos aqueles que realmente se preocupam com reforma tributária no Brasil sabem: os ricos pagam pouco imposto.

Quem recebe R$ 3.300 por mês, leva para casa, descontados Imposto de Renda e Previdência, 84% do seu salário. Já alguém que ganha R$ 26.600 por mês, leva 74%.

Um profissional holandês, por exemplo, pode contar apenas com 55% de seu salário, e mesmo um norte-americano traz para casa menos que um brasileiro: 70%.

Ao mesmo tempo em que descobríamos a vida tranquila dos ricos brasileiros, chega a notícia de que a quantidade de milionários no Brasil aumentou 5,9% em 2010, atingindo a marca de 115,4 mil pessoas com fortuna de, ao menos, US$ 1 milhão.

O que não deveria nos surpreender. Afinal, vivemos em um país onde o processo de concentração de renda está tão institucionalizado que as classes mais abastadas têm um sistema de defesa de seus rendimentos sem par em outros países industrializados.

Dentro de alguns anos, a chamada nova classe média descobrirá que não conseguirá mais continuar sua ascensão social. Entre outras coisas, ela tomará consciência de como seu orçamento é brutalmente corroído por despesas com educação e saúde.

Um Estado preocupado com seu povo taxaria os ricos e as grandes fortunas a fim de ter dinheiro suficiente para criar um verdadeiro sistema público de educação e saúde.

Por que não criar, por exemplo, um imposto sobre grandes fortunas vinculado exclusivamente à educação? Isto permitiria que essa nova classe média continuasse sua ascensão social.

Tal ascensão seria ainda mais facilitada se a carga tributária brasileira parasse de privilegiar o consumo, e focasse a renda. Uma carga focada no consumo, ou seja, embutida em produtos, é mais sentida por quem ganha menos.

Há pouco, um estudo mostrou como o 0,1% mais bem pago no Reino Unido recebia, em 1979, 1,3% dos salários.

Hoje, recebe 5% e, em 2030, deve receber 14%.

Costuma-se dizer que uma das maiores astúcias do Diabo é nos convencer de que ele não existe. Uma das maiores astúcias do discurso conservador é nos convencer, diante de dados dessa natureza, de que conflito de classe é um delírio de esquerdista centenário.

Mesmo que vejamos um processo brutal de concentração de renda institucionalizado e intocado por qualquer partido que esteja no poder, mesmo que vejamos a tendência de espoliação dos recursos de países industrializados por camadas mais ricas da população, tudo deve ser um complô dos incompetentes contra aqueles que bravamente venceram na vida graças apenas a seu entusiasmo e capacidade visionária, não é mesmo?