sábado, 12 de março de 2011

Votação de sanções à Líbia na ONU – hipocrisia e imperialismo


O Conselho de Segurança da ONU, sob pressão dos EUA, votou em 26 de fevereiro pela imposição de sanções à Líbia. Segundo estudos das próprias agências da ONU, mais de um milhão de crianças do Iraque morreram como resultado das sanções impostas pelos EUA e a ONU a esse país, que aplainaram o caminho para a invasão norte-americana. As sanções são criminosas e confirmam que esta intervenção não se deve à preocupação com as questões humanitárias.

É preciso equiparar a pura hipocrisia da resolução sobre a Líbia com a preocupação pelos “direitos humanos”. Só quatro dias antes da votação, os EUA utilizaram seu veto para bloquear uma resolução que criticava os assentamentos israelenses em terra palestina na Cisjordânia.

O governo dos EUA impediu que o Conselho de Segurança empreendesse alguma ação durante o massacre israelense em Gaza em 2008, que levou à morte de mais de 1.500 palestinos. Esses organismos internacionais, assim como a Corte Penal Internacional, mantiveram silêncio a respeito das matanças israelenses, sobre os ataques de aviões não pilotados, drones estadunidenses, contra civis indefesos no Paquistão e sobre as criminosas invasões e ocupação do Iraque e Afeganistão.


Por que as potências mundiais estão ansiosas para atuar na Líbia?
Quando ocorre algo novo é importante passar em revista o que sabemos do passado e perguntar sempre: quais são os interesses das corporações estadunidenses na região?

A Líbia é um país rico em petróleo, um dos dez mais ricos do mundo. A Líbia tem as maiores reservas privadas de petróleo na África, pelo menos 44 bilhões de barris. Tem produzido 1,8 milhão de barris de petróleo por dia – petróleo cru leve, considerado de máxima qualidade e que precisa de menos refino do que a maior parte do petróleo. A Líbia também tem grandes depósitos de gás natural fáceis de canalizar aos mercados europeus. É um país de grande superfície com uma pequena população de 6,4 milhões de pessoas.

Assim é vista a Libia pelas poderosas corporações petrolíferas e militares, os bancos e as instituições financeiras dos EUA que dominam os mercados globais.

Atualmente o petróleo e o gás são as matérias-primas mais valiosas e a maior fonte de lucros do mundo. Conseguir o controle de campos petrolíferos, oleodutos, refinarias e mercados impulsiona uma grande parte da política imperialista dos EUA.

Durante duas décadas de sanções dos EUA contra a Líbia, que Washington esperava que derrubariam o regime, os interesses corporativos europeus investiram fortemente no desenvolvimento de “dutos” e infraestruturas nesse país. Cerca de 85% das exportações de energia da Líbia se destinam à Europa.


As transnacionais europeias – em particular BP, Royal Dutch Shell, Total, Eni, Basf, Statoil e Repsol – têm dominado o mercado petrolífero da Líbia. As gigantescas corporações petrolíferas dos EUA estão excluídas desses lucrativos acordos. A China tem comprado uma quantidade crescente de petróleo produzido pela Corporação Nacional de Petróleo da Líbia e construiu um curto oleoduto na Líbia.

Os imensos lucros que poderiam ser obtidos com o controle do petróleo e do gás natural da Líbia são o motivo do crescente alarido contido nos chamamentos dos meios corporativos dos EUA à “intervenção humanitária para salvar vidas”.


Antecedentes da Líbia
A Líbia foi uma colônia italiana desde 1911 até a derrota da Itália na Segunda Guerra Mundial. As potências imperialistas ocidentais estabeleceram, depois da guerra, regimes na região que foram chamados Estados independentes mas que eram dirigidos por monarcas nomeados sem o voto democrático dos povos. A Líbia se converteu em um país soberano só de nome, mas estava firmemente vinculada aos EUA e ao Reino Unido sob um novo monarca, o rei Idris.

Em 1969, enquanto uma onda de lutas anticoloniais mobilizava o mundo colonizado, jovens oficiais militares nacionalistas de mentalidade pan-árabe derrubaram o rei Idris quando ele estava de férias na Europa. O líder do golpe foi Muamar Kadafi, então com 27 anos.

A Líbia mudou de nome, de Reino da Líbia para República Árabe Líbia e depois para Grande Jamahiriya Árabe Líbia Popular Socialista‎.

Os jovens oficiais ordenaram o fechamento das bases dos EUA e GReino Unido na Líbia, incluída a grande Base Aérea Wheelus do Pentágono. Nacionalizaram a indústria petrolífera e muitos interesses comerciais que estavam sob controle imperialista estadunidense e britânico.

Esses oficiais militares não chegaram ao poder mediante um levantamento revolucionário das massas. Não foi uma revolução socialista. Continuava sendo uma sociedade de classes. Mas a Líbia já não estava sob a dominação estrangeira.

Realizaram-se numerosas mudanças progressistas. A nova Líbia fez muitos progressos econômicos e sociais. As condições de vida das massas melhoraram radicalmente. A maioria das necessidades básicas – alimentos, habitação, combustível, assistência médica e educação – foram fortemente subvencionadas e, inclusive, chegaram a ser inteiramente gratuitas. Os subsídios foram utilizados como a melhor maneira de redistribuir a riqueza nacional.

As condições das mulheres mudaram drasticamente. Em 20 anos, a Líbia alcançou o lugar mais alto da África no Índice de Desenvolvimento Humano – uma medida das Nações Unidas da expectativa de vida, dos avanços educacionais e da renda real. Durante os anos 1970 e 1980, a Líbia foi conhecida internacionalmente pela adoção de fortes posições anti-imperialistas e pelo apoio que dava a outras lutas revolucionárias, do Congresso Nacional Africano na África do Sul à Organização pela Libertação da Palestina e o Exército Republicano Irlandês.


Satanização de Kadafi
Cabe ao povo da Líbia, da África e do mundo árabe avaliar o papel contraditório de Kadafi, presidente do Conselho de Comando Revolucionário da Líbia. As pessoas dos EUA, no centro de um império baseado na exploração global, não deveriam unir-se às caracterizações racistas, ridicularização e satanização de Kadafi que saturam a mídia corporativa.

Inclusive, se Kadafi fosse tão tranquilo e austero como um monge e tão cuidadoso como um diplomata, ainda assim seria, como líder de um país africano rico em petróleo, anteriormente subdesenvolvido, odiado, ridicularizado e satanizado pelo imperialismo dos EUA, caso oferecesse resistência à dominação corporativa estadunidense. Esse foi seu verdadeiro crime e por isso não o perdoarão jamais.

É importante assinalar que nunca se utilizam termos degradantes e racistas contra peões de confiança dos EUA ou ditadores, não importa quão corruptos ou implacáveis sejam com seu próprio povo.

Fonte: texto original "O perigo da interveção estadunidense na Líbia" de Opera Mundi via Plano Brasil