segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

As proposta apresentadas no relatório do Deputado Aldo Rabelo para mudanças no Código Florestal Brasileiro são um retrocesso na política ambiental


A revisão do Código Florestal Brasileiro está provocando sérias preocupações na comunidade científica. Com uma possível aprovação do relatório que propõe mudanças na legislação ambiental, o Brasil estaria arriscado a sofrer seu mais grave retrocesso ambiental em meio século.

As novas regras reduzirão a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. A comunidade científica foi ignorada durante a elaboração do relatório de revisão do Código Florestal

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) defendem que o atual Código Florestal, embora passível de aperfeiçoamentos, é a "peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo".

A reformulação do código baseia-se na premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira e não foi feita sob a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos.

Entre as consequências teremos o aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis, a aceleração da ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras, o estímulo à impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente, e o aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos.

Caso a reformulação seja aprovada, o Código Florestal mudará para pior em vários aspectos. Se essas mudanças forem aprovadas teremos um retrocesso de meio século na nossa legislação ambiental, com consequências profundamente negativas em diversas dimensões.

As mudanças terão impacto negativo sobre a conformação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reservas Legais (RL) e sobre o funcionamento da regularização de propriedades em situação ilegal. Atualmente, explica, os proprietários que não possuem RL ou APPs preservadas estão sujeitos a multas caso se recusem a recuperar as áreas degradadas, ou quando realizarem desmatamento ilegal. Nessas condições, podem até mesmo ter sua produção embargada.

Mas se a proposta de mudança for aprovada, os Estados terão cinco anos, após a aprovação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período ninguém poderá ser multado e as multas já aplicadas serão suspensas. Aqueles que aderirem à regularização poderão ser dispensados definitivamente do pagamento de multas. Ficarão livres também da obrigação de recuperar as áreas ilegalmente desmatadas.

Em relação às APPs, a legislação atual protege no mínimo 30 metros de extensão a partir das margens de rios, encostas íngremes, topos de morros e restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.

Se a nova proposta for aprovada, a faixa mínima de proteção nas beiras de rios será reduzida a 15 metros. Topos de morro e áreas acima de 1.800 metros deixam de ser protegidas. As demais áreas, mesmo formalmente protegidas, poderão ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções, caso tenham sido desmatadas até 2008 e forem consideradas "áreas consolidadas".

No que diz respeito à RL, a lei atual impõe um mínimo de vegetação nativa em todas as propriedades: de 20% do tamanho dos imóveis situados em áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas e, na Amazônia Legal, 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada precisa recuperar espécies nativas ou compensar a falta de reserva no imóvel com o arrendamento de outra área preservada situada na mesma bacia hidrográfica.

Com a nova proposta, as propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso o desmatamento tenha ocorrido até a promulgação da lei. Nas demais propriedades será preciso recuperar a vegetação, mas o cálculo não será feito com base na área total do imóvel: a base de cálculo é a área que exceder quatro módulos fiscais.

Além disso, as compensações poderão ser feitas com áreas situadas a milhares de quilômetros da propriedade, desde que no mesmo bioma. O proprietário terá também a opção de fazer a compensação em dinheiro, com doação a um fundo para regularização de unidades de conservação.

"Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no Sul e Sudeste, haverá grandes áreas do país em que simplesmente não haverá mais vegetação nativa, pois são essas áreas também que abrigam o maior número de APPs com ocupação 'consolidada'. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas da obrigação de recuperação.

O principal erro desse código novo é que ele não considera as áreas que foram disponibilizadas para a agricultura historicamente, mas que são de baixa aptidão agrícola e por isso são subutilizadas hoje, sem papel ambiental e com baixo rendimento econômico, como os pastos em alta declividade", afirmou.

Outro impacto negativo da proposta de modificação do Código para a restauração é a anistia proposta para as APPs irregulares. Quem degradou as APPs não vai precisar recuperar e, pior, poderá continuar usando a área desmatada. Quem preservou vai ser punido.

A reformulação do Código Florestal deverá diminuir a eficiência dos mecanismos legais de proteção ambiental. Uma das consequências mais graves será o impacto na qualidade da água, pois com o solo mais exposto, haverá um aumento da erosão e do assoreamento de corpos d’água, além da contaminação de rios com fertilizantes e agrotóxicos.

O processo de recarga dos aquíferos também depende muito da cobertura vegetal. A vegetação retém a água que, posteriormente, é absorvida pelos corpos d’água subterrâneos. Com o desmatamento, essa água escoa e os aquíferos secam.

A modificação na legislação vai na contramão das necessidades de preservação ambiental. Seria preciso preservar o máximo possível as bacias hidrográficas. Mas o projeto prevê até mesmo o cultivo em várzeas, o que é um desastre completo.

Para Tundisi, com o impacto que provocará nos corpos d’água, a aprovação da modificação no Código Florestal prejudicará gravemente o próprio agronegócio. "Se não mantivermos as áreas de proteção, a qualidade da água será afetada e não haverá disponibildade de recursos hídricos para o agronegócio. Fazer um projeto de expansão do agronegócio às custas da biodiversidade é uma atitude suicida", disse.

A agricultura deverá ser prejudicada também com o aumento do preço da água. "Trata-se de algo cientificamente consolidado: o custo do tratamento da água aumenta à medida que diminui a proteção aos mananciais", disse o cientista.

O Código Florestal, criado em 1965, de fato tem pontos que necessitam de revisão, em especial no que diz respeito aos pequenos agricultores, cujas propriedades eventualmente são pequenas demais para comportar a presença das APPs e a RL.

Qualquer que seja a reformulação, ela deve ter uma base científica sólida. Essa foi a grande falha da modificação proposta, que teve o objetivo político específico de destruir 'empecilhos' ambientais à expansão da fronteira agrícola a qualquer custo.

Segundo ele, o argumento central da proposta de reformulação foi construído a partir de um "relatório cientificamente incorreto encomendado diretamente pelo Ministério da Agricultura a um pesquisador ligado a uma instituição brasileira de pesquisa".

"O relatório concluía que não haveria área suficiente para a expansão agrícola no país, caso a legislação ambiental vigente fosse cumprida ao pé da letra. O documento, no entanto, foi produzido de forma tão errônea que alguns pesquisadores envolvidos em sua elaboração se negaram a assiná-lo", apontou.


Gerd Sparovek, pesquisador da Esalq usou sensoriamento remoto para concluir que a área cultivada no Brasil poderá ser praticamente dobrada se as áreas hoje ocupadas com pecuária de baixa produtividade forem realocadas para o cultivo agrícola.

"Melhorando a eficiência da pecuária em outras áreas por meio de técnicas já conhecidas, não há qualquer necessidade de avançar sobre a vegetação natural protegida pelo Código Florestal atual", disse.


A maior parte das reformulações propostas tem o único propósito de aumentar a área agrícola a baixo custo, as mudanças beneficiam muito mais os proprietários de grandes extensões de terra do que pequenos produtores.

Para os especialistas as mudanças no Código Florestal não irão beneficiar o desenvolvimento da produção de alimentos no Brasil, se a preocupação for realmente com a produção de alimentos, temos outras alternativas mais viáveis como: o governo deveria ampliar e facilitar o crédito ao pequenos produtores, investir em infraestrutura ( como estradas e armazenamento) para auxiliar o escoamento desses produtos e, principalmente, investir maciçamente em pesquisas que beneficiassem essas culturas visando a aumentar sua produtividade.

Texto original “Comunidade científica faz duras críticas a proposta de alteração do Código Florestal” extraído Agência Fapesp Fábio de Castro – Jornalista publicado no agrojornal